segunda-feira, 18 de maio de 2015

Tudo Começou Em Chicago: Capítulo 11 (parte 1) - E apesar de tudo, eu ainda sou humana.

   um bar! - Digo surpresa.
- Não um simples bar. É a caverna dos vikings, onde a alma de qualquer músico pode se soltar. - Theo sorri.
Todos correm para a bancado do bar, demonstrando muita intimidade com o local. Eles pedem bebidas que possuem nomes estranhos.
- Vocês sempre estão aqui? - Estou curiosa.
- É o nosso modo de diversão.
- Hum.
- Vamos! Quero apresentar você a um cara.
Andamos entre as pessoas que se movem constantemente pela passagem. O lugar é muito confortável, apesar do nome. As paredes são de pedra e o chão possui uma madeira velha meio acinzentada. São várias mesas espalhadas pelo salão, e mais adiante um pelo palco, com todos os instrumentos.
- São doações. - Ele me responde como se lesse meus pensamentos. - Muita gente gosta desse lugar, então de vez em quando, o bar recebe doações.
- Ah.
Theo me da a mão e continua andando. Paramos frente a bancada, nas parede tem várias pratilheiras, e atrás tem um cara grande com barba e bigode, ruivo. Seu cabelo está preso em uma trança. Apesar de seu jeito brusco, parece uma pessoa simpática, sempre sorrindo.
- E aí, Bas! - Theo cumprimenta o cara do bar.
- E aí garoto! Por onde andou? Faz algum tempo que não te vejo por essas bandas. - A voz dele é forte e durona. Ele continua enxugando alguns copos.
- Pois é, tinha alguns compromissos. - Theo me olha, e eu não entendo do que ele está falando.
- Ah! Entendi. Então temos um 386 aqui. - Bas está me encarando num tom engraçado.
- Essa é a Kate. Minha nova companheira brasileira. Vocalista da banda.
- Uau! Então é você que é filha do grande Paul! - Diz, esticando a mão para me cumprimentar.
- Prazer. - Aperto sua mão de volta.
- Vão tocar hoje?
Theo me encara, especulativo. Como se esperasse uma resposta.
- O que foi? - Franzo a testa.
- Tá afim de cantar?
- Agora?
- Isso.
- Aqui?
- Qual é o problema? - Ele ergue a sobrancelha.
- É que aqui tem muita gente. - sussurro.
Theo caminha até está bem próximo de mim. Segura meu rosto em suas mãos, e prendo a respiração.
- É só se você quiser. - Fala cariosamente.
- Acho que não estou bem para cantar... - Tiro meu olhar do dele.
- Então coloque isso para fora. Vai de fazer bem.
O encaro, e logo depois desisto. Inspiro profundamente.
- Ok. - Reviro os olhos, e ele ri.
- Isso garota! - Escudo Bas por trás de nós. Já tinha me esquecido dele, e me sinto constrangida.
 
   Theo me guia até o palco, e com um simples olhar o resto da banda entende e sobe no palco. Cada um vai para seu lugar. Autumn na bateria, Blake no teclado, Peppe no baixo e Theo pega uma guitarra preta que estava encostada na parede. Me sento no piano que está no meio do palco, um lindo piano de cauda preta. Respiro o vai profundo que consigo, minha mão começa a coçar e sinto a garganta doer, meu coração acelera e minha vista escurece. Ah não! Conheço esses sintomas, depressão pós Paul.
Inspiro com toda força que tenho e solto o ar devagar. Fique calma, Kate. Penso.
- Tenha calma, Kate. Você consegue. - Theo sussurra no meu ouvido. Como ele consegue ler meus pensamentos? - Qual será a música.
Respiro mais uma vez.
- Vou começar e depois vocês me seguem.
Ele vira a cabeça de lado, como se estivessem tentando entender.
- Ok. - Theo volta para o lugar e passa o recado para o resto da banda. Todos ficam confusos com meu pedindo, mas não se manifestam.
Olho para minhas mãos. Engulo seco e respiro. Finalmente dou as primeiras notas:
"Acordado como um animal
Dentes prontos para afundar
Minha mente está perdida numa visão sombria
Tentei escapar, mas me mantive afundando...

Debaixo da pele há um ser humano
Enterrado profundamente, há um ser humano
E apesar de tudo eu ainda sou humano
Mas eu acho que eu estou morrendo aqui...
Respiro novamente, puxo o ar com tanta força que sinto meus pulmões doerem. Posso sentir as lágrimas querendo sair. Estão reivindicando com todo fervor. E não consigo mais conte-las.
Acordar como um animal
Eu estou pronto para a cura
Minha mente está perdida com pesadelos de streaming
Acordando chutando e gritando!

Leve-me para fora deste lugar que eu estou
Tire-me deste caso xisto que eu estou

Debaixo da pele há um ser humano
Enterrado profundamente dentro há um ser humano
E apesar de tudo eu ainda sou humano

Eu acho que eu ainda sou humano
Eu acho que eu ainda sou humano
Eu acho que eu ainda sou humano

Debaixo da pele há um ser humano
Enterrado profundamente, há um ser humano
E apesar de tudo eu ainda sou humano
Mas eu acho que eu estou morrendo aqui..."
   Termino e coloco minhas mãos no rosto, cobrindo-o. Então, choro. É tão profundo que penso que talvez nunca mais consiga parar.
Theo coloca a mão em meu ombro, se agacha e me abraça.
- Shiii. Calma. Vai ficar tudo bem. - Ele alisa meu cabelo. - Coloca tudo para fora, Kate.
E eu o obedeço. Coloco tudo para fora. E é muita coisa.

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Tudo Começou Em Chicago: Capítulo 10

   Entro no auditório as pressas, passo pelo sorriso caloroso que Theo me oferece, ignorando-o. Sigo uma linha reta até alcançar Paul, que está de costas, pendurado no celular. Mas minha fúria é maior e ignoro todos os modos.
- Paul, tenho que falar com você. - Digo, rispidamente. 
Ele levanta um dedo, pedindo um minuto. Logo a ligação atendida pelo meu irmão me vem na cabeça. Sinto um nó na garganta. Não posso esperar nem mais um segundo.
- Desligue essa merda de celular e me escute! - Agora estou gritando, e vejo Paul arregalar o olhar, perplexo, e todos da banda voltam a atenção para mim. Ah! Então agora consegui a atenção dele. 
- Bob, depois falo com você. - Diz, desligando o celular e me olhando com cautela. - Está tudo bem, filha? 
E é ai que explodo. 
- Bem?! Bem é a única coisa que não estou! E pare de me chamar de filha. - Rosno. - Que porra o Felipe está fazendo no Brasil?! Desde quando ele agora passa temporadas com minha mãe?! Ele deveria está com você! Por que diabos vocês resolveram reaparecer na minha vida?! Que merda é essa?! 
Paul está me encarando com o rosto pálido. Seus olhos me cercão com um certo tipo de medo. Ele suspira e passa a mão pelo cabelo. 
- Como você soube? 
- Liguei para mamãe e ele atendeu. - Digo, entre os dentes. 
- Entendo. Que descuido da parte dele. - E percebo um tom irritado saindo de sua voz. - Kate, ele estava com saudades da mãe, quando soube que você estava morando em Chicago, viu a ocasião perfeita para tentar se reaproximar. 
Começo a rir ironicamente. 
- Se reaproximar?! Vocês realmente não tem noção das coisas. Acham é simples assim? Que é só voltar e estará tudo bem? 
- Kate, as pessoas erram... eu errei e o Felipe também. Ele era só um garoto quando... 
- Quando o que? Quando nos deixou? Vocês abandonaram a mim e a minha mãe, sem nenhuma consideração! Que tipo de pai faz isso?! - Estou em surto. Minha garganta dói cada vez mais, e meu estômago embrulha. 
- Pensei que já tínhamos acertado nossos problemas. 
- Pensou errado, Paul. Isso nunca vai acontecer! Sabe por quê? Porque vocês são uns filha da mãe, que não merecem perdão! 
Ele encara o chão, colocando as duas mãos no bolso do casaco. Respiro fundo, tentando assimilar tudo. Começo a lembrar de tudo o que aconteceu logo após a ida dele, do meu pai, de como me senti impotente, machucada, abandonada. 
- Depois que você foi embora... - Minha voz está rouca, e tudo dentro de mim dói. -  ...mamãe teve que passar a me buscar na escola. Enquanto eu a esperava, ficava sentada sozinha vendo todas aquelas garotas abraçando seus pais... Todos presentes. E eu ficava me perguntando o que eu tinha feito de errado para você me deixar. - Não consigo mais conter as lágrimas, e elas começam a fluir como um rio. Um rio furioso. - Logo depois o Felipe também foi embora, deixando a mamãe em cacos... Eu a via chorando todas as noites, e não podia fazer nada. Você tem noção do que foi esses anos da minha vida?! Você transformou tudo em caos.
Dou uma pausa. Sinto meu peito arder de tanta dor. Colocar isso para fora é mais doloroso do que pensei. 
- Fiquei três anos me sentindo como se estivesse morrendo, perdida na minha própria mente sombria. Agora você espera que eu o perdoe e tudo volte a ser como já foi um dia? 
- Kate... 
- Não. - O interrompo bruscamente. - Paul, quero que diga ao Felipe que não quero vê-lo. Diga que não vou perdoa-lo. Que ele não se atreva a vim me procurar... ele deixou de ser meu irmão à oito anos. 
- É isso que realmente quer, Kate? - Seu olhar parece sem vida. 
- Quero que você suma, também. Desapareça com essa banda, tudo isso é ridículo. Eu estava bem, pela primeira vez em oito anos, tudo estava fluindo. Então trate de sumir. 
- O quê? - Seu olhar é perplexo. - Kate, isso é para o seu futuro. 
- Me esqueça, Paul. Sei que para você é fácil. 
Me viro e saio andando as pressas, a única coisa que consigo ver é o olhar do Theo sem vida. Ele me encara sem reação. Passo pela porta e vou embora. 

                                                                          ***

   ESQUECER. TUDO ISSO É MUITO DIFÍCIL para mim, ter que lidar com todos esses sentimentos de novo. Me pergunto como está sendo para minha mãe, ter que se reaproximar do Felipe. Por que isso parece estar sendo mais difícil só para mim? Por que eles não podem ver o quão louco tudo isso é? 
- Então, você resolveu ir embora. 
Levo um susto ao ver Theo e o resto da banda, parados ao meu lado no ponto de ônibus. 
- O quê vocês estão fazendo aqui? 
- Você é idiota? - Autumn me encara. 
Faço uma cara de quem não está entendo. Onde ela quer chegar?
- Não pode ir embora. Você acha que estamos aqui só pra te ajudar, né? Mas está enganada. 
- Como assim? 
Ela coloca sua bolsa no chão e inspira profundamente. 
- Seu pai nos ofereceu uma oportunidade no meio da música, caso nos formássemos uma banda para ajudar você a reencontrar o caminha da música.
- Você está brincando, né? 
- Não, docinho. Sei que é difícil de aceitar, mas aparentemente, o mundo não gira ao seu redor. - Ela zomba. 
- Kate... - Theo toma a frente e me encara. - precisamos disso. Cada um de nós vinhemos de caminhos difíceis. Não temos nenhuma chance lá fora. Seu pai nos ofereceu uma chance de ouro. 
- E se você for embora... - Blake fala por trás de Autumn, e percebo que nunca tinha escutado sua voz. - estaremos ferrados. 
Permaneço parada, encaro todos os olhos que estão me olhando esperançosamente. Fecho os olhos e solto o ar que está preso dentro de mim. 
- Só que eu não posso fazer isso agora. Não posso voltar lá dentro, olhar para cara do Paul e pedir a banda de volta. 
- Tudo bem, nós entendemos isso. - Theo sorrir. - Você precisa de tempo, e vamos esperar.
- Não, Theo. Pode ser que eu nunca volte. - Tento ser o mais realista. 
- Você vai voltar, Kate. Sei que voltará. 
- Como pode ter tanta certeza? 
- Porque a música, faz parte de quem você é. Não tem como fugir disso. 
Nos encaramos por um momento, e a forma que me olhar é de tirar o fôlego.
- Não é por nada, aprecio o momento romântico que está rolando entre vocês, mas precisamos ir. - Diz Autumn, me fazendo corar. 
- Ir para onde? - Pergunto, franzindo a testa. 
Theo sorrir, um sorriso largo. 
- Levar você para cantar. Uma intervenção 386. 
- Intervenção 386? 
- Cantar para espantar os males. 
- Mas não em qualquer lugar. - Fala Blake, animado. - Tem que ser na Caverna dos Vikings.  
- Onde fica isso? 
- Tenha calma, pequeno gafanhoto. Você verá. - Diz Theo, passando braço sobre meus ombros. 

domingo, 17 de maio de 2015

Tudo Começou Em Chicago: Capítulo 9

   Theo continua deitado na grama com os olhos fechados, tento olhar para ele de relance. Ele é lindo, de uma forma diferente do Abel, mais sincero, existe uma bolha de tranquilidade em sua volta. Ao lado dele sinto como se nada pudesse me afetar. Chega ser embriagante. 
   O vento sopra seu cabelo azul divinamente, me deixando com falta de ar. 
- Você tem irmãos, Kate? - Levo um susto com sua pergunta tão repentina, mas ele continua com olhos fechados. 
- Tenho um irmão. - Digo, contida. 
- Quantos anos ele tem?
Ai, só falta ele querer entrar em detalhes.  
- Vinte e três.
- Ah. 
- Faz muito tempo que não o vejo... - Minha garganta doí. Rezo para que ele perceba o fim do papo.  
   Ele se vira para mim, mantem o cotovelo apoiado no chão e a mão segurando sua cabeça. 
- Qual é o nome dele? - Seus olhos me analisam insensivamente. 
- Felipe... Eu costumava chama-lo de Lipe... - Encaro as nuvens por um momento. - Mas isso não importa mais. 
- E onde ele está? No Brasil? 
- Não. Saiu de casa à muito tempo. - Dou de ombros. - Uma semana depois do meu pai ir embora... Às vezes ele manda cartas pra minha mãe, cartas com fotos de todos os lugares que visita. Mas eu nunca quis ler e nunca deixava mamãe falar sobre ele comigo. A última coisa que eu soube, foi que ele estava com o Paul na França...
Theo balança a cabeça. 
- Entendo. Então ele também abandonou você e sua mãe, igual o seu pai. Que coisa mais de merda para se fazer. - Diz ele, coçando o queixo. 
- Pois é... - Me viro e encaro seus olhos. - Uma coisa de merda.
   Nos encaramos por um tempo. Tento decifrar seu olhar, mas é difícil. Parece manter um segredo a sete chaves.
- Qual é o seu nome?
- O que?!
- Theo é só um apelido, imagino...
- Ah. Theodore. Theodore Collins.
- Família Collins? - Ergo uma sobrancelha.
- Exatamente. A família mais complicada da America! - Diz, achando graça.
Ficamos rindo um da cara do outro. Quando paramos, percebo que seu olhar está diferente. Me analisando cuidadosamente.
- O que foi? - Pergunto constrangida.  
- Você é realmente muito bonita, Kate Green. 
Meu deus. Meu coração para, e sinto o chão sumir. A forma como ele fala me atinge muito mais do que como Abel costumava fazer. 
- Então, você vai me contar qual é seu lance com meu irmão? - Ele levanta uma sobrancelha, e me assusto com sua mudança de assunto. 
- Bem, a gente ficou junto por um mês e depois acabou. 
   Ele ergue as sobrancelhas e solta uma risada irônica. 
- Foi só isso? 
- Por que? 
- Pelo jeito que você gritou comigo quando pensou que eu fosse ele... aquilo parecia mais que um simples fim de ficada. 
  O encaro e depois me sento na grama, ele olha para mim e faz o mesmo. 
- O seu irmão foi um extrema idiota...
- Isso ele sempre foi. - Ele está rindo. 
- Abel já tinha uma namorada lá na cidade do seus pais... - Sinto meus olhos arderem. Não posso chorar! - E ele estava saindo com a metade da faculdade. Não se importava comigo, eu era apenas um brinquedo nas mãos dele.
Theo me encara.
- Eu lamento. - Seu olhar está triste. 
- Pelo o que? 
- Por você ter conhecido ele primeiro, em vez de mim. 
   E mais uma vez meu coração para, me sinto nervosa. Seu olhar penetrante me tira o folego. 
- Bem, acho que está na hora de irmos. - Ele olha seu relógio. - Vamos. Te acompanho até tua casa.
Levantamos e me sinto meio perdida pelas coisas que ele me disse. Foi uma cantada? Ele queria ter me conhecido antes? Por que? E a forma como muda se assunto me incomoda.
Respiro fundo e resolvo esquecer. Afinal, mal o conheço.
- Tudo bem. Vamos.

                                                                            ***
   DUAS SEMANAS SE PASSAM e minha vida está uma confusão com os ensaios, trabalhos da faculdade - mesmo Mary estando me ajudando, e as ligações incessantes do Abel, do qual nunca atendo. Em casa, minha amizade com Laura quase já não existe, somos como completas estranhas. Só nos cumprimentamos friamente, sinto como se ela escondesse de mim um grande segredo.
  Nos ensaios ando mais relaxada, já que tenho a amizade do Theo. Ele sempre me faz rir e está sempre em elogiando pela forma que canto. No meu tempo livre estou tentando voltar a compor algumas músicas. Me tranco no quarto com meu violão ou vou para o hotel usar o piano, que por ordem do Paul, está sempre a minha disposição.
   Enquanto espero o ônibus para ir ensaiar, ligo para minha mãe. Da última vez que conversei com ela, parecia gripada. Provavelmente por não para de trabalhar.
O celular chama. Um homem atende:
- Alô?
Que estranho. Me pergunto se liguei mesmo para o celular dela, ou me confundi e liguei para a loja.
- Oi, eu poderia falar com Marcela Green?
- Kate?
Ele me conhece?
- Sim...
- Sou eu, Kate. Felipe.
Meu coração para e em minha mente se consolida um vazio. Sinto minha pernas bambas e despenco no chão.
- Kate? Ainda está ai?
Tento raciocinar. Felipe está com mamãe? Quando ele voltou? Minha respiração fica ofegante e tenho que me forçar à responder.
- Cadê a mamãe?
- Não vai me cumprimentar? Nada? Nem um "quanto tempo"?
Solto uma risada irônica.
- Você tá brincando?! Cadê a minha mãe, Felipe? - Sinto uma raiva subindo em meu corpo.
Como ele se atreve! O que é isso? Todos resolveram aparecer depois de anos e exigir gentileza e abraços? Não tenho estômago para isso.
- Ela está ocupada. - Seu tom fica sério.
- E que diabos você está fazendo ai?!
- Vim visitar minha mãe, Kate. Tenho esse direito.
Dou uma gargalhada maior.
- Direito?! Você foi embora, a deixou sozinha comigo. Não tem mais direito a nada!
- Olha, Kate. Entendo que não tenha sido fácil para você e que esteja furiosa.
- Furiosa nem chega a descrever o que eu sinto! - Digo, asperamente.
- Eu entendo, e por isso não irei ficar discutindo com você pelo celular. Está perto do meio do ano e você pode vir aqui, assim podemos conversar melhor...
- Até quando você pretende ficar?
- Bom, dada as circunstancias, mais do que eu imaginava.
Dada as circunstancias?
- Do que você está falando? - Soou intrigada.
- Você entenderá quando estiver aqui. No momento não posso dizer mais nada.
O que? Tenho vontade de gritar com ele até não aguentar mais. Mas tento me conter.
- Ok. Vou desligar, mais tarde ligo para falar com a mamãe.
- Tudo bem. Até mais. E Kate...
Permaneço em silêncio, esperando que ele continue.
- Sinto sua falta, sempre senti.
Bufo.
- Me poupe, Felipe. - Desligo o celular, olho para o chão perdendo minha força, e começo a chorar.  

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sexta-feira, 15 de maio de 2015

Tudo Começou Em Chicago: Cap 8 (parte 2) - De todas as cores, azul era a melhor.

   Estou sozinha em meu quarto com o violão no meu colo. Vou conseguir , penso comigo, dessa vez consigo.  Toco as primeiras notas, então quando as escuto sinto meu coração parar, meu corpo treme, um calafrio atinge minha nuca e meus olhos queimam. Dou um grito e deixo o violão cair no chão.
Começo a chorar, Felipe entra as pressas no quarto e me abraça.
- Calma, calma. Já passou. Não chore pequena Kate.
- Não consigo tocar mais nada, toda vez que tento vejo o papai! - Estou chorando em seu peito. Ele acaricia meus cabelos.
- Shiii! Eu sei. Mas vai passar.
- Quando?
- Um dia, quando tudo isso for passado, e você for grande, nada vai poder lhe atingir.
- Você nunca me deixará, né Lipe? - Pergunto enxugando meu rosto.
- Claro que não. Afinal sou seu irmão mais velho. Estarei sempre aqui. Sempre.
   Acordo atordoada com o barulho do meu alarme. Olho o relógio: 08:00 a.m. Estou toda coberta de suor, minha franja está colada na testa, e minha respiração ofegante. Fazia muito tempo que não sonhava com ele . Aquilo aconteceu uma semana antes do Felipe também nos deixar. De vez em quando mamãe recebe uma carta dele, com fotos, mas nunca tive coragem de ler. Encosto a parte de trás da cabeça na parede, continuo ofegante, respirando pela boca. Fecho meus olhos: Esquece, Kate. Esquece.
   Respiro fundo e pulo da cama, se não me trocar logo com certeza irei me atrasar.

   - DO QUE VOCÊ está falando?! - Mary arregala os olhos. - o seu Abel tem um irmão gêmeo?! Como assim?!
- Primeiro: ele não é meu Abel... acho que nunca foi. Segundo: Exatamente isso, quando cheguei pra ensaiar me deparei com o Theo.
- E como ele é? Idêntico?
- Claro! A diferença é que ele tem cabelo azul.
- Azul?! - Ela ri. - Que clichê.
- Como assim?
- Todo rebelde pinta o cabelo de cores estridentes. Uma forma de se mostrar fora do sistema.
Theo é um rebelde? Ele me pareceu bem normal.
- Não pode ser.
- Pois eu acho que sim. Já falou com Abel?
- Por que falaria?
- Eu iria tirar algumas dúvidas com ele. Perguntaria que estória é essa de irmão gêmeo. - Mary coloca as mãos na cintura. - Ora bolas, você namorou com ele por um mês, e ele nem para te informar que tem um irmão.
- Ele tinha dito que tem um irmão...
- Só esqueceu de mencionar que era gêmeo! - Diz, me interrompendo. - E que provavelmente deve ser um renegado, por isso o cabelo azul, e guitarrista de uma bandinha.
- Não quero ter que falar com Abel. A gente acabou.
- E daí?
- Não vou fazer isso M.
- Ok. Você quem sabe. Eu diria algumas verdades para esse cara. Nunca o vi e já morro de raiva dele.
   Dou uma risada.
- Você é hilária.
- Só falo a verdade. - Diz fazendo beicinho. - Vai se encontrar com a banda hoje?
  Confirmo balançando a cabeça.
- Posso ir?
   Seu pedido me pega de surpresa. Se M for, vai me ver cantando também. Já tem gente demais.
- Sabe o que é...
- Por favor! - M segura minha mãos. - Nunca tive amigos, por isso só vivo da faculdade para casa. Queria sair, conhecer lugares novos. Além do mais, você foi a única que continuou falando comigo.
   Fico encarando seus grandes olhos por trás de seu óculos.
- Tudo bem. - Digo revirando os olhos.
- Obrigada! - M beija minha bochecha. - Ah! E eu sou fã do seu pai!

                                                                              ***
   PAUL MANDA A GENTE ensaiar mais cinco vezes, quando terminamos minha garganta parece ter servido como campo de batalha para gatos furiosos. Me dirijo até o final do palco e coloco a guitarra de volta no lugar onde estava. Mary está em pé e me entrega uma garrafa de água. Bebo quase tudo.
- Foi fantástico!
- Valeu.
- Nunca imaginei que você fosse assim tão boa. - Posso ver o entusiasmo em seus olhos.
   Theo passa por mim afim de pegar também uma garrafa, ele bebe quase a metade da água sem respirar. Mary o encara como uma detetive semicerrando os olhos, o que me faz rir.
- O que foi? - Pergunta ele, enquanto enxuga o canto da boca.
- Nada. É que a M está tentando analisar você. - Ele levanta a sobrancelha. - Por você ser irmão gêmeo.
- Ah! Já tô acostumado com a galera me confundindo com o Abel. O que eu posso fazer? Somos parecidos - Responde dando de ombros, depois sorrir e balança o cabelo. - Mas foi por isso que pintei essas madeixas lindas aqui.
   Ele balança seu cabelo em minha direção. E perco o ar.
- Pois é, ontem eu devia ter me tocado sobre a cor do cabelo. É que na hora só pude pensar em como o Abel sabia disso. - Falo usando os braços para sinalizar a banda.
- Hum... O Abel pisou na bola? - Ele me olha com os cantos dos olhos.
- O que?! - Levo um susto, é como se ele tivesse entrado na minha mente.
- O jeito que você gritava, não parecia contente da ideia do Abel aqui.
- Imagino que não... - Mary sussurra.
- Ah isso... é que a gente teve uns probleminhas. - Lanço um olhar sério para ela.
   De repente escutamos uma briga atrás da cortina, Theo levanta uma parte da cortina vermelha para que possamos ver o que está havendo, então vejo a garota de cabelos vermelhos no celular. Como era mesmo o nome dela? Autumn.
- Caia! Escuta! não... não tem nada a ver... Dá pra você me escutar?!
- É a namorada dela. - Theo falar por cima da minha cabeça. Permaneço calada.
   Autumn percebe que estamos olhando e desliga o celular, depois vem andando furiosa em nossa direção.
- Olha aqui Theo, já mandei você para de falar da minha vida para as outras pessoas. - Diz agarrando a camiseta dele.
- Não enche. - Theo solta a mão dela de sua roupa. - Você tá amassando toda a camiseta.
- Queria amassar sua cara.
- Desculpe, não tínhamos a intenção de escutar a conversa. - Tento parecer o mais simpática possível.
- Você estava gritando. Chamou nossa atenção. - Mary diz, com um assustado. Provavelmente pela forma intimidadora da Autumn.
- Calem a boca. Não falei com vocês. - Ela me lança um olhar dos pés a cabeça, me deixando sem jeito.
- Nossa, por quê você tá tão nervosa? - Theo pergunta.
- Não é da sua conta! - Responde passando por nós dois, pega a bolsa e vai em bora.
- Sabe, não liga não. Ela é sempre assim... Pelo menos, na grande parte do tempo. - Escuto ele atrás de mim..
- Bom, isso deve ser uma droga. - Dou um suspiro. - Acho que ela não gostou de mim... - Digo meio cabisbaixa.
- É verdade. - Ele franze a testa, analisando sua resposta. - Deve ser porque você canta bem e toca muito bem.
- E daí? - Mary indaga.
- Como assim? - Vejo uma de suas sobrancelhas se erguer. A semelhança com Abel é incrível.
- Por que você tem que fazer todos os movimentos iguais ao do seu irmão? Pare com isso. Não consigo olhar para você sem que tenha que me lembra do Abel. - Saio andando em direção a minha bolsa. Theo vem caminhado atrás de mim.
- Você não entenderia... - Ele coloca suas mãos no bolso, como se sentisse frio.
- Me explique então.
- Bem, quando nascemos tivemos que assinar um contrato onde dizia que tínhamos que fazer tudo igual, para sempre. - Ele abre bem os olhos azuis, dando um tom de mistério.
- Muito engraçado. - Respondo sem olhar para ele.
- É um dos meus muitos talentos.
- E quais são eles? - Quando me viro, Theo está bem próximo a mim, e me encara tão perto que consigo sentir sua respiração, me deixando muito tensa.
- Tá conseguindo ver? - Ele continua me encarando. - Se eu me concentrar bem, às vezes consigo fazer a sobrancelha tremer. - Então ele se afasta e sorrir. - É raras as pessoas que conseguem fazer isso. Além disso, sou muito sedutor, as garotas me amam. E faço cookies melhor que ninguém.
Começo a rir. Mas não sei bem se é de nervoso ou porque ele soou engraçado mesmo.
- Uau, são realmente ótimos talentos.
- E você?
- Eu o que?
- Seus talentos. - Theo vai andando até sua mochila.
   Olho para trás dele e percebo que Mary agora está conversando com Blake. Sou um suspiro.
- Não tenho talentos...
- Até parece. Já sei que você canta super bem, e toca extremamente bem. Além do mais, é muito bonita, o que tirou minha atenção enquanto tocava. - Paro no mesmo instante. Ele ficou reparando em min enquanto tocava? Puta merda. - Então quais são os outros? Os que eu ainda não descobri.
- Não existem.
- Ora Kate, você não precisa se esquivar tanto de mim, só tô tentando te conhecer. - Diz enquanto tenta guardar a guitarra na bolsa.
- Não tô me esquivando...
- Tudo bem. Que tal a gente dar uma volta? - Ele se vira para mim, e sinto seus olhos me queimarem por dentro. Uma estranha combinação de ansiedade e nervosismo.
- Acho melhor não... - Olhar aqueles olhos me fazem lembrar o Abel. Eu ainda não consegui enxergar os dois como pessoas diferentes. - Tô com a Mary.
- Kate... - Ele franze a testa, me analisando. -... não sou o Abel. Posso parecer por fora, mas por dentro somos completamente distintos. - Responde como se conseguisse ler meus pensamentos.
   Sinto minha mente vazia e as palavras simplesmente deslisam da minha boca.
- Ok.

                                                                           ***
   COMBINO COM MARY dela voltar com o Blake, já que os dois estavam se dando bem.
Theo e eu andamos até a praça mais próxima. Chegando lá, sentamos na grama embaixo de uma árvore, Theo está deitado com os braços atrás da cabeça, fico do seu lado sentada enquanto o vento parece acariciar meus cabelos.
- Qual é desse cabelo azul? - Pergunto, mas fico olhando uma folha sendo levada pelo vento.
- Não gostou? Eu gosto de azul. - Ele está com os olhos fechados. Fico lhe encarando, e começo a morder o lábio inferior. Então o escuto suspirar. - Sabe... tente imaginar o que é ser sempre dois, nunca ninguém lembra seu nome, você sempre é comparado ao seu irmão, as pessoas acham graça por vocês serem tão parecidos, sua mãe só compra roupas iguais e na escola você só ouve os outros dizerem "você deveria ser mais como seu irmão, ele é mais divertido". Então um dia você descobre que sua namorada está lhe traindo com seu irmão e a desculpa dela é que vocês são muito parecidos. Ai você se pergunta "nem minha namorada consegue saber quem eu sou.", e você se dar conta que nunca soube quem era porque sempre viveu na sombra do seu irmão. Você então muda, tentar ser único, pinta o cabelo e o deixa crescer, logo decide sair de casa e mudar aquele destino que parecia está predestinado a viver. Sua mãe lhe diz que nunca o aceitará de volta, e seu irmão não lhe apoia. Você pega seu violão, algumas roupas e vai embora... Esse cabelo aqui. - Diz apontando para a cabeça. - Me ajudou a ser quem eu sou. Deixei de ser só um cara parecido com o irmão e passei a ser diferente. Isso responde a sua pergunta?
   Fico encarando-o por um tempo e quando seu olhar encontra os meus, desvio.
- Gosto do seu cabelo. É autentico. - Dou de ombros e minhas bochechas ficam vermelhas. Vejo um sorriso se formando em seu rosto. - O que foi?
- Nada... é só que... nunca ninguém me chamou de autentico.
- Bom. Mas você é. - Me deito na grama.
- Valeu. - Olho de lado para vê-lo, mas ele já está com os olhos fechados, cantarolando uma música bem baixinho.

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quinta-feira, 14 de maio de 2015

Tudo Começou Em Chicago: Cap 8 (parte 1) - Senhor Otimista

   Fico sem fala e meus olhos estão arregalados. Abel tem um irmão gêmeo? E ainda por cima seu irmão vai tocar na banda! Só pode ser brincadeira. Sindo meu coração parar, e começo a sentir falta de ar.
- Você é irmão gêmeo do Abel?! - Pergunto incrédula.
- Ou o Abel é meu irmão gêmeo. Para mim faz mais sentido. - Posso sentir seu sarcasmo.
- Ele nunca me contou sobre você.
- Poxa, acho que eu deveria me sentir ofendido. - Diz colocando a mão do peito. - Mas não me importo. O fato de não ter sido mencionado, não anula minha existência.
   Fico olhando para seu rosto, são muito parecidos, mas quando paro para analisar melhor percebo que seu cabelo é mais curto, mais espalhado e é azul (Abel não teria mudado o cabelo pra essa cor, não faz seu estilo). Ele tem uma barbinha por fazer, usa uma jaqueta preta, calça rasgada e um All Star azul. Lembra muito um astro do rock. Sem contar que suas sobrancelhas são mais grossas.
- Meu Deus! Você é mesmo irmão dele! - Ponho a mão tampando a boca.
- É o que parece... - Ele revirar os olhos.
- Theo será nosso guitarrista! - Paul coloca uma mão no ombro de Theo. - Arrumei essa banda pra gente, já que a minha está de férias. São todos estudantes, amantes da música. - Paul aponta com as mãos largas para todos que estão no palco. Só então percebo que estão me olhando, como se eu fosse uma maluca. - Como você, querida. - Paul se vira para a banda. - Galera, essa é a minha filha, Kate Green. Nossa função é ajuda-la a entrar na Juilliard.
Percebo que a garota da bateria me olha com cara de nojo, fico me sentido constrangida pela cena.
- Kate, essa é a sua banda! Theo na guitarra, Autumn na bateria, Peppe no baixo e Blake no teclado. Então, já que todos foram apresentados, vamos começar!. Kate pegue aquela guitarra. - Paul aponta para a guitarra azul encostada na parede. - Cada um pro seu lugar!
   Caminho ainda constrangida até o canto do palco, pego a guitarra e me dirijo ao centro. Sinto todos os olhares em mim. Estou tremendo, e a sensação de dormência não me deixa.
- Vamos tocar o que, Paul? - Autumn pergunta.
- Bem, para aquecer pensei em Mr. Brightside.
- The Killers! Show! - Blake vibra atrás do teclado.
- Sério?! Mas faz tempo que eu não toco assim, nem canto! - Digo ao perceber o quanto estou nervosa em tocar na frente de todos. - Essa música é difícil!
- Você consegue Kate. Pode apostar. - Paul me incentiva.
- Que ridículo... - Balbucio baixo, mas percebo que Theo escutou e esboça um sorriso quase imperceptível. Provavelmente rindo da minha cara.
- Não seja amadora garota! Cante logo! - Autumn fala por trás de mim. Posso sentir sua raiva, e com certeza essa garota não gosta de mim.
   Ando até o meio do palco, posiciono o microfone e ajeito a guitarra.
- Vamos lá! - Paul grita.
Autumn inicia na bateria, logo em seguida todos estão tocando. Limpo a garganta, e respiro fundo. É só cantar Kate, penso comigo, não tem pra quê ter medo:

"Eu estou saindo de minha gaiola
E estou indo muito bem
Devo ficar triste
Porque eu quero tudo isso
Isto começou com um beijo
Como isto foi terminar assim?
Foi apenas um beijo, foi apenas um beijo
Agora eu estou adormecendo
E ela está chamando um táxi
Enquanto ele está fumando
E ela está dando uma tragada
Agora eles vão para cama
E meu estômago está doendo
E está tudo em minha cabeça
Mas ela está tocando o peito dele
Agora, ele tira o vestido dela
Agora, me deixe ir

Eu apenas não posso olhar Isto está me matando
E tomando controle
Ciúme, jogando santos no oceano
Nadando por doentes canções de ninar
Afogando seus álibis
Mas é apenas o preço que eu pago
O destino está me chamando
Abro meus olhos ávidos
Porque eu sou Sr. otimista

Eu nunca
Eu nunca"

   Quando termino, estou segurando o microfone nas mãos, levantando-o para cima. Estou tão eufórica que não consigo respirar direito. Olho para frente e Paul está gritando de felicidade.
- É isso mesmo garota! Foi incrível! Posso sentir a energia. É disso que eu estava falando!
Abaixo o braço me sentindo constrangida, minhas bochechas pegam fogo. Olho de relance para o lado e Theo me lança um sorriso, o que me faz congelar, é o mesmo sorriso do Abel.

  ESTOU SOZINHA no ponto de ônibus. Mesmo Paul se oferecendo para me levar em casa, preferi ir sozinha, afinal não estamos tão bem assim. Não posso agir como se tudo estivesse bem, porque isso é tudo que não está.
   Theo aparece, e eu levo um susto. Ele se senta ao me lado e sorrir.
- Você cantou bem.
- Acho que sim...
- Qual é. Não se faça de boba.
Faço uma cara séria.
- Não tenha medo de mostrar seu talento. Isso é o mais importante. - Ele bate com seu ombro no meu.
-  Me desculpe pela forma que gritei lá dentro...
- Relaxa. Às vezes acontece.
- E eu não tenho medo... - Solto um suspiro cansado pela a boca. - é só que... cantar implica em muita coisa.
- Como assim? - Theo entorta a cabeça, e vê-lo assim me deixa vermelha. Ele só me lembra Abel. Abel, Abel, Abel. Esqueça ele! 
- Você não entenderia.
- Tente.
Fito seus olhos, são profundos e estão com toda a atenção voltada a mim. Mordo meu lábio.
- O Paul costumava ser um pai bem presente, sempre me ensina coisas novas, me incentivava a tocar e cantar. Mas um dia recebeu uma proposta de sua antiga banda... - Encaro a rua. Falar sobre tudo que já aconteceu me faz reviver aquele sentimento, o pior de todos, abandono. - Lembro dele discutindo com a mamãe, e me lembro de está chorando quando ele se foi. Ele foi embora sem me dizer nada.
- Nossa...
- Pois é. Depois disso eu nunca mais quis tocar novamente... Não conseguia, era muito doloroso.
- Eu entendo. A vida também não foi tão boa comigo. - Theo pressiona suas mão dentro do bolso.
- Sério? E o que você fez para seguir em frente.
Ele joga sua cabeça para trás e fica encarando o céu. Sua franja azul cai lindamente por cima dos seus olhos, e eu me sinto enfeitiçada.
- Esquecer, Kate... esquecer é o grande segredo.Você só tem que esquecer e seguir em frente... chega uma hora que não vale mais apena lembrar. E claro que a ferida vai continuar ali, existindo... você só não dá mais tanta atenção a ela. Isso faz a total diferença.
- Pra mim, você só está se enganando... só fingir que nada aconteceu não vai ajudar.
   Ele bufa.
- Foi o único jeito que encontrei.
- O que foi que aconteceu? - Me sinto curiosa.
- Não importa mais.
O que? Ele não vai me contar? Mesmo eu tendo cotado sobre mim. Fico com raiva, mas ao mesmo tempo não me sinto no direito de pedir mais informações. Mal o conheço.
- Tudo bem.
   O ônibus chega, me levanto e pego minha bolsa.
- Esse é o meu. Até amanhã.
- Até amanhã, Kate. - Ele sorri para mim, e sinto meu coração bater forte. Não posso me apaixonar por ele. Não posso.

                                                     

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Tudo Começou Em Chicago: Cap 7 - Esquecer

   Como deixei tudo chegar a esse ponto? Como me deixei enganar tanto por um sorriso bonito? Sempre fui fechada para esse tipo de coisa. Desde o dia que meu pai resolveu ir embora resolvi nunca mais confiar em ninguém. Mas agora me vejo sentada em um sofá, comendo um pote enorme de sorvete de flocos e um coração partido em meu peito.
A porta da sala se abre e Laura passa por ela tão rápido que deixa cair seus sapatos que estava em suas mãos. Ela para e me encara com um rosto inchado e manchado de maquiagem, seu cabelo está bagunçado, e tenho uma leve impressão de que ela está bêbada.
Seu rosto se contrai ao olhar para mim. L souta um suspiro.
- Sorvete... - Diz balançando a cabeça, como se compreendesse o momento. - Abel?
Não a respondo, em vez disso me sinto constrangida em ter sido pega em flagrante. Tento fechar o pote de sorvete o rápido que posso, mas a tampa não facilita.
- Kate, não feche. Estou afim de um soverte. Quem sabe me deixa mais sóbria. - Laura fecha a porta e caminha até mim, tentando desviar dos sapatos no chão, o que não consegue.
Depois de alguns tropeços, L se senta ao meu lado e pega minha colher para tirar o sorvete do pote.
- Então você vai me dizer o que aconteceu ou não?
Fico surpresa com sua pergunta, fazia algum tempo que L não se importava com os meus problemas. Mesmo assim decido contar sobre Abel. Sobre o meu coração partido. Sobre a grande merda que minha vida está virando.
- Parece que o Abel estava me traindo com outras garotas... - Fico olhando para meus dedos entrelaçados.
- A quanto tempo?
- O que?
- A quanto tempo ele te trai?
- Não sei... não parei para pensar no tempo. Só percebi agora.
Laura me encara com se esperasse mais alguma coisa.
- Descobri na festa de sexta. Ele estava com umas amigas e a maneira que elas o tratavam era muito diferente para simples amigas. Já estava distante antes disso, sempre viajando para casa dos pais... Nem se importou com o fato de eu ter ido embora sem me despedir. Depois disso ficou sem falar comigo, até hoje. Agora ele age como se nada tivesse acontecido, como se eu fosse a louca ciumenta. - Puxo meus joelhos de encontro com minha barriga. - Será que ele já se importou de verdade comigo ou sempre fui só mais uma?
Escuto L soltar um longo suspiro, uma mistura de cerveja com lamento.
-  Já sabia disso.
Olho para Laura com os olhos arregalados. Sinto meu rosto perder a cor, minha barriga doi e não perco a fala. L sabia que Abel me traia? Por que nunca me contou? Me viu fazer papel de idiota esse tempo todo. Como ela pôde?
- Do que você está falando? - Minha garganta lateja.
- Sabe quando eu fiquei com Abel naquela outra festa? - Laura não me olha nos olhos. Percebo seu nervosismo na forma em que não para de mexer a colher que está em sua mão. - Logo depois peguei Abel com outra garota, estavam se beijando na cozinha...
- E por que você não me disse isso?
- Porque resolvi não me importar Kate. Eu estava super afim dele, não iria deixar que aquele flagrante estragasse tudo... - Ela aperta a colher com força. - ... até você me dizer que estava com ele.
   Minha boca fica seca. - Lamento...
- Tudo bem. - Laura agora me encara, e percebo sua preocupação. - Depois disso conheci outras garotas da universidade e descobri que a maioria delas já tinham ficado com ele, e que algumas ainda tinha um caso... Kate... parece que Abel tem uma namorada na cidade onde os pais dele moram, por isso precisa ir todo final de semana.
Meus olhos se enchem de lágrima. Não consigo acreditar em tudo que L está contando. Estou apaixonada por um cara que tem várias ao mesmo tempo.
- Por que não me contou? Me deixou ser enganada por todo esse tempo...
- Kate, eu estava com raiva por você estar com Abel. Eu me senti traída.
- O que?! - Minha garganta doi, meu estomago doi, minha cabeça doi e estou com raiva, com muita raiva. - Quer dizer que você me viu fazer papel de idiota, me viu ser enganada por um cara e não me contou porque estava com raiva de mim?! Eu que sou sua amiga?! - Logo percebo que estou gritando e chorando, meu polmão arde com minha forte respiração. - Como pôde ser tão vingativa?!
- Você faria o mesmo, Kate. - L não está mais olhando para mim, agora ela encara o sorvete que começa a se derreter.
- Ai que tá a nossa diferença, Laura. Eu nunca me vingaria de uma amiga, porque amigas verdadeiras não fazem isso, elas presam sua amizade acima de tudo. Não é um cara qualquer que pode destruir isso. - Me levanto e vou para o quarto, deixando-a sozinha.

                                                                           ***
  ESTOU NA BIBLIOTECA contando tudo que aconteceu para Mary, ela me escuta e depois suspira.
- Bem Kate, lamento por isso. Ser enganada pelo namorado e pela amiga deve ser terrível. Mas sabe o que acho? - M segura minha mão. - Que tudo isso que aconteceu agora faz parte do passado, você deve seguir em frente, tem que largar dessa cara de choro. Não deixem que perceba o quanto está mal. Você não me disse que gostava de cantar? - Concordo com a cabeça. - Use isso a seu favor. Vá cantar e esquecer esses babacas.
Meu peito se enche de alegria ao escutar o que Mary diz. De uma certa forma ela tem razão, não posso deixar que eles me deixem tão mal. Não vou me abater.

  PENSO NAS COISAS QUE Mary me disse resolvo mandar uma mensagem para Paul, marcando uma reunião com a banda que ele arrumou para ensaiarmos. Depois decido ligar para minha mãe, faz alguns dias que não falo com ela.
- Kate. Que saudade minha filha.
- Oi mãe. Tá tudo bem? - Estranho sua voz. - Está doente?
- O que?! Doente? Da onde tirou isso?
- Sua voz está estranha.
- Deve ser o cansaço. Não paro de trabalhar...
- Mãe, já lhe disse para descansar um pouco.
- Está tudo bem. Estou acostumada. Como vão as coisas em Chicago? E a universidade? Já fez provas?
- Já fiz sim. Está tudo bem por aqui. - Tirando o fato de ter o sido enganada pelo Abel e pela Laura, mas isso eu não conto.
- E... e o seu pai?
- O que tem ele? - Noto o nervosismo em sua voz.
- Tudo bem entre vocês? Ele tinha me contado como foi o reencontro.
- Foi um reencontro conturbado... - Minha garganta doi ao lembrar daquele dia. - mas agora está tudo bem na medida do possível.
- Isso é ótimo Kate. Quero que vocês voltem a se falar e a se tratar como pai e filha. Assim sempre terá alguém para cuidar de você.
- Do que está falando? Não preciso do Paul para cuidar de mim, tenho você. - Esculto seu suspiro.
- Claro. Eu quis dizer, alguém que cuide de você enquanto está longe.
- Mesmo assim, não preciso dele, afinal cresci sem precisar.
- Não diga isso. Sei que sempre sentiu muita falta de seu pai, você o amava.
Não gosto de lembrar do que aconteceu e não gosto de escutar minha mãe dizer que preciso dele. Nunca mais irei precisar do Paul.
- Isso não importa mais...
- Espero que vocês consigam esquecer o que aconteceu e aprendam a viver juntos.
- Pode ser...
De repente mamãe começa a tossir fortemente, me deixando preocupada.
- Mãe? Tá realmente tudo bem?
- Claro que sim. - Sua respiração é forte como se puxasse o ar com toda sua força.
- Tem certeza que não está doente?
- Devo estar gripada.
- Então deve descansar e beber muito liquido.
- Eu irei. Bom filha, agora tenho que desligar, estou meio ocupada.
- Tudo bem mãe. Qualquer coisa me avise, não esconda nada.
- Beijos filha.

   Falar com minha mãe me deixa aflita, sinto que ela esconde alguma coisa. Mas não entendo o porquê de manter segredo, logo quando sempre nos apoiamos.
Meu celular vibra, Abel. Fico encarando a tela brilhante e uma foto nossa, onde aparece Abel beijando minha bochecha. E aquela sensação de dor e raiva se misturam. Uma melancolia sem fim. Depois de tanto encarar aquela tela chamativa, resolvo atender no intuito de por um fim na nossa relação, ou o que sobrou dela.
- Alô.
- Kate! - Sua voz está eufórica e tem uma música alta no fundo, o que me leva a supor que ele está em uma festa. Isso me faz pensar que suas amigas loiras devem estar junto. Provavelmente alisando seu cabelo enquanto ele está no celular. Minha garganta doi. - Onde você está?!
- O que você quer Abel? - Sou fria, e tento não demonstrar meu sofrimento.
- Você.
Sinto uma pontada no estômago, meu coração bate mais forte mas sei que tudo não passa de enganação. Ele só quer brincar comigo, assim como fez com todas as outras.
- Boa noite Abel.
- Não! Kate, espera! Não desliga. Por favor... - E foi alguma coisa em sua voz, talvez uma suplica profunda que me mantem ali, esperando. - Olha, tá rolando uma festa na casa da Sandy... pensei que talvez, se você estivesse livre, quisesse vir.
Fico em silêncio por alguns segundos, enquanto tudo dentro de mim luta, um lado quer se entregar, mas o outro sabe que não vale a pena.
- Abel, serei bem sincera com você. Me. Esqueça. Não vai rolar mais nada entre a gente. Nada. Acabou. - Escuto sua respiração tremula, e meu coração doi.
- Não consigo. Eu tentei Kate, mas sempre tem alguma coisa que me faz querer estar ao seu lado. Seu jeito verdadeiro de ser, suas paixões... Simplesmente não consigo esquecer.
- Do que você está falando? - Meus olhos se enchem de lágrimas. - Por que faz isso?! Por que se diverte tanto ao brincar com meus sentimentos?
- Kate... agora estou sente verdadeiro. Sinto sua falta.
Ele não responde minhas perguntas, o que me leva a acreditar que sua traições existiram. Isso me machuca.
- Não posso. Acabou. - Desligo o celular antes que possa ouvir uma resposta.
Deito em minha cama e choro. Vários choros, e então durmo.

                                                                        ***

   Hoje é o dia que marquei uma reunião com Paul e a banda. Estou nervosa em ter que cantar de novo, em ter que ver meu pai, mas sei que essa é a única solução para ocupar minha mente e esquecer Abel. Já não falo com ele faz dois dias. Acho que de fato se cansou e desistiu de mim. É sempre melhor assim.
Estou em frente ao hotel onde Paul está hospedado. Quando passo pela porta giratória da recepção, o recepcionista me reconhece e me guia direto ao auditório. O palco agora está cheio de instrumentos, avisto uma garota de cabelo vermelho na bateria, um cara alto no baixo, outro garoto rechonchudo no teclado e então eu paraliso. Abel está na guitarra. Mas ele está diferente, seu cabelo está azul.
- O que você está fazendo aqui?! - Subo as pressas no palco. Não avisto Paul.
- Tá me zuando? - Ele parece está confuso.
- Não! Você que só pode estar de brincadeira! Tá me seguindo? - Fico de frente a ele, e gesticulo com os braços.
- Do que você tá falando garota?
- Garota?! Isso é sério?! Eu pensei ter sido bem clara da última vez!
- Kate! - Escuto a voz do Paul. Ele está subindo o palco com os braços abertos como se esperasse um abraço. Permaneço encarando Abel. - O que está acontecendo aqui? - Paul para na metade do caminho quando percebe minha cara furiosa.
- Senhor, desculpe-me mas essa garota chegou gritando, eu não tô entendendo. - Diz Abel, evitando manter contato com meu olhar.
 Bufo.
- Não se faça de idiota. Você me conhece.
- Acho que não. - Diz, utilizando um tom de zombaria.
- Abel! Você está louco? - Sinto tanta raiva, que a qualquer momento posso entrar em ebulição.
- Abel? Mas o nome dele é Theo. - Escuto Paul dizer atrás de mim.
Theo? Fico paralisada.
- Isso! Meu nome é Theo. Mas da onde você conhece o Abel? Ele é o meu irmão.


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