Como deixei tudo chegar a esse ponto? Como me deixei enganar tanto por um sorriso bonito? Sempre fui fechada para esse tipo de coisa. Desde o dia que meu pai resolveu ir embora resolvi nunca mais confiar em ninguém. Mas agora me vejo sentada em um sofá, comendo um pote enorme de sorvete de flocos e um coração partido em meu peito.
A porta da sala se abre e Laura passa por ela tão rápido que deixa cair seus sapatos que estava em suas mãos. Ela para e me encara com um rosto inchado e manchado de maquiagem, seu cabelo está bagunçado, e tenho uma leve impressão de que ela está bêbada.
Seu rosto se contrai ao olhar para mim. L souta um suspiro.
- Sorvete... - Diz balançando a cabeça, como se compreendesse o momento. - Abel?
Não a respondo, em vez disso me sinto constrangida em ter sido pega em flagrante. Tento fechar o pote de sorvete o rápido que posso, mas a tampa não facilita.
- Kate, não feche. Estou afim de um soverte. Quem sabe me deixa mais sóbria. - Laura fecha a porta e caminha até mim, tentando desviar dos sapatos no chão, o que não consegue.
Depois de alguns tropeços, L se senta ao meu lado e pega minha colher para tirar o sorvete do pote.
- Então você vai me dizer o que aconteceu ou não?
Fico surpresa com sua pergunta, fazia algum tempo que L não se importava com os meus problemas. Mesmo assim decido contar sobre Abel. Sobre o meu coração partido. Sobre a grande merda que minha vida está virando.
- Parece que o Abel estava me traindo com outras garotas... - Fico olhando para meus dedos entrelaçados.
- A quanto tempo?
- O que?
- A quanto tempo ele te trai?
- Não sei... não parei para pensar no tempo. Só percebi agora.
Laura me encara com se esperasse mais alguma coisa.
- Descobri na festa de sexta. Ele estava com umas amigas e a maneira que elas o tratavam era muito diferente para simples amigas. Já estava distante antes disso, sempre viajando para casa dos pais... Nem se importou com o fato de eu ter ido embora sem me despedir. Depois disso ficou sem falar comigo, até hoje. Agora ele age como se nada tivesse acontecido, como se eu fosse a louca ciumenta. - Puxo meus joelhos de encontro com minha barriga. - Será que ele já se importou de verdade comigo ou sempre fui só mais uma?
Escuto L soltar um longo suspiro, uma mistura de cerveja com lamento.
- Já sabia disso.
Olho para Laura com os olhos arregalados. Sinto meu rosto perder a cor, minha barriga doi e não perco a fala. L sabia que Abel me traia? Por que nunca me contou? Me viu fazer papel de idiota esse tempo todo. Como ela pôde?
- Do que você está falando? - Minha garganta lateja.
- Sabe quando eu fiquei com Abel naquela outra festa? - Laura não me olha nos olhos. Percebo seu nervosismo na forma em que não para de mexer a colher que está em sua mão. - Logo depois peguei Abel com outra garota, estavam se beijando na cozinha...
- E por que você não me disse isso?
- Porque resolvi não me importar Kate. Eu estava super afim dele, não iria deixar que aquele flagrante estragasse tudo... - Ela aperta a colher com força. - ... até você me dizer que estava com ele.
Minha boca fica seca. - Lamento...
- Tudo bem. - Laura agora me encara, e percebo sua preocupação. - Depois disso conheci outras garotas da universidade e descobri que a maioria delas já tinham ficado com ele, e que algumas ainda tinha um caso... Kate... parece que Abel tem uma namorada na cidade onde os pais dele moram, por isso precisa ir todo final de semana.
Meus olhos se enchem de lágrima. Não consigo acreditar em tudo que L está contando. Estou apaixonada por um cara que tem várias ao mesmo tempo.
- Por que não me contou? Me deixou ser enganada por todo esse tempo...
- Kate, eu estava com raiva por você estar com Abel. Eu me senti traída.
- O que?! - Minha garganta doi, meu estomago doi, minha cabeça doi e estou com raiva, com muita raiva. - Quer dizer que você me viu fazer papel de idiota, me viu ser enganada por um cara e não me contou porque estava com raiva de mim?! Eu que sou sua amiga?! - Logo percebo que estou gritando e chorando, meu polmão arde com minha forte respiração. - Como pôde ser tão vingativa?!
- Você faria o mesmo, Kate. - L não está mais olhando para mim, agora ela encara o sorvete que começa a se derreter.
- Ai que tá a nossa diferença, Laura. Eu nunca me vingaria de uma amiga, porque amigas verdadeiras não fazem isso, elas presam sua amizade acima de tudo. Não é um cara qualquer que pode destruir isso. - Me levanto e vou para o quarto, deixando-a sozinha.
***
ESTOU NA BIBLIOTECA contando tudo que aconteceu para Mary, ela me escuta e depois suspira.
- Bem Kate, lamento por isso. Ser enganada pelo namorado e pela amiga deve ser terrível. Mas sabe o que acho? - M segura minha mão. - Que tudo isso que aconteceu agora faz parte do passado, você deve seguir em frente, tem que largar dessa cara de choro. Não deixem que perceba o quanto está mal. Você não me disse que gostava de cantar? - Concordo com a cabeça. - Use isso a seu favor. Vá cantar e esquecer esses babacas.
Meu peito se enche de alegria ao escutar o que Mary diz. De uma certa forma ela tem razão, não posso deixar que eles me deixem tão mal. Não vou me abater.
PENSO NAS COISAS QUE Mary me disse resolvo mandar uma mensagem para Paul, marcando uma reunião com a banda que ele arrumou para ensaiarmos. Depois decido ligar para minha mãe, faz alguns dias que não falo com ela.
- Kate. Que saudade minha filha.
- Oi mãe. Tá tudo bem? - Estranho sua voz. - Está doente?
- O que?! Doente? Da onde tirou isso?
- Sua voz está estranha.
- Deve ser o cansaço. Não paro de trabalhar...
- Mãe, já lhe disse para descansar um pouco.
- Está tudo bem. Estou acostumada. Como vão as coisas em Chicago? E a universidade? Já fez provas?
- Já fiz sim. Está tudo bem por aqui. - Tirando o fato de ter o sido enganada pelo Abel e pela Laura, mas isso eu não conto.
- E... e o seu pai?
- O que tem ele? - Noto o nervosismo em sua voz.
- Tudo bem entre vocês? Ele tinha me contado como foi o reencontro.
- Foi um reencontro conturbado... - Minha garganta doi ao lembrar daquele dia. - mas agora está tudo bem na medida do possível.
- Isso é ótimo Kate. Quero que vocês voltem a se falar e a se tratar como pai e filha. Assim sempre terá alguém para cuidar de você.
- Do que está falando? Não preciso do Paul para cuidar de mim, tenho você. - Esculto seu suspiro.
- Claro. Eu quis dizer, alguém que cuide de você enquanto está longe.
- Mesmo assim, não preciso dele, afinal cresci sem precisar.
- Não diga isso. Sei que sempre sentiu muita falta de seu pai, você o amava.
Não gosto de lembrar do que aconteceu e não gosto de escutar minha mãe dizer que preciso dele. Nunca mais irei precisar do Paul.
- Isso não importa mais...
- Espero que vocês consigam esquecer o que aconteceu e aprendam a viver juntos.
- Pode ser...
De repente mamãe começa a tossir fortemente, me deixando preocupada.
- Mãe? Tá realmente tudo bem?
- Claro que sim. - Sua respiração é forte como se puxasse o ar com toda sua força.
- Tem certeza que não está doente?
- Devo estar gripada.
- Então deve descansar e beber muito liquido.
- Eu irei. Bom filha, agora tenho que desligar, estou meio ocupada.
- Tudo bem mãe. Qualquer coisa me avise, não esconda nada.
- Beijos filha.
Falar com minha mãe me deixa aflita, sinto que ela esconde alguma coisa. Mas não entendo o porquê de manter segredo, logo quando sempre nos apoiamos.
Meu celular vibra, Abel. Fico encarando a tela brilhante e uma foto nossa, onde aparece Abel beijando minha bochecha. E aquela sensação de dor e raiva se misturam. Uma melancolia sem fim. Depois de tanto encarar aquela tela chamativa, resolvo atender no intuito de por um fim na nossa relação, ou o que sobrou dela.
- Alô.
- Kate! - Sua voz está eufórica e tem uma música alta no fundo, o que me leva a supor que ele está em uma festa. Isso me faz pensar que suas amigas loiras devem estar junto. Provavelmente alisando seu cabelo enquanto ele está no celular. Minha garganta doi. - Onde você está?!
- O que você quer Abel? - Sou fria, e tento não demonstrar meu sofrimento.
- Você.
Sinto uma pontada no estômago, meu coração bate mais forte mas sei que tudo não passa de enganação. Ele só quer brincar comigo, assim como fez com todas as outras.
- Boa noite Abel.
- Não! Kate, espera! Não desliga. Por favor... - E foi alguma coisa em sua voz, talvez uma suplica profunda que me mantem ali, esperando. - Olha, tá rolando uma festa na casa da Sandy... pensei que talvez, se você estivesse livre, quisesse vir.
Fico em silêncio por alguns segundos, enquanto tudo dentro de mim luta, um lado quer se entregar, mas o outro sabe que não vale a pena.
- Abel, serei bem sincera com você. Me. Esqueça. Não vai rolar mais nada entre a gente. Nada. Acabou. - Escuto sua respiração tremula, e meu coração doi.
- Não consigo. Eu tentei Kate, mas sempre tem alguma coisa que me faz querer estar ao seu lado. Seu jeito verdadeiro de ser, suas paixões... Simplesmente não consigo esquecer.
- Do que você está falando? - Meus olhos se enchem de lágrimas. - Por que faz isso?! Por que se diverte tanto ao brincar com meus sentimentos?
- Kate... agora estou sente verdadeiro. Sinto sua falta.
Ele não responde minhas perguntas, o que me leva a acreditar que sua traições existiram. Isso me machuca.
- Não posso. Acabou. - Desligo o celular antes que possa ouvir uma resposta.
Deito em minha cama e choro. Vários choros, e então durmo.
***
Hoje é o dia que marquei uma reunião com Paul e a banda. Estou nervosa em ter que cantar de novo, em ter que ver meu pai, mas sei que essa é a única solução para ocupar minha mente e esquecer Abel. Já não falo com ele faz dois dias. Acho que de fato se cansou e desistiu de mim. É sempre melhor assim.
Estou em frente ao hotel onde Paul está hospedado. Quando passo pela porta giratória da recepção, o recepcionista me reconhece e me guia direto ao auditório. O palco agora está cheio de instrumentos, avisto uma garota de cabelo vermelho na bateria, um cara alto no baixo, outro garoto rechonchudo no teclado e então eu paraliso. Abel está na guitarra. Mas ele está diferente, seu cabelo está azul.
- O que você está fazendo aqui?! - Subo as pressas no palco. Não avisto Paul.
- Tá me zuando? - Ele parece está confuso.
- Não! Você que só pode estar de brincadeira! Tá me seguindo? - Fico de frente a ele, e gesticulo com os braços.
- Do que você tá falando garota?
- Garota?! Isso é sério?! Eu pensei ter sido bem clara da última vez!
- Kate! - Escuto a voz do Paul. Ele está subindo o palco com os braços abertos como se esperasse um abraço. Permaneço encarando Abel. - O que está acontecendo aqui? - Paul para na metade do caminho quando percebe minha cara furiosa.
- Senhor, desculpe-me mas essa garota chegou gritando, eu não tô entendendo. - Diz Abel, evitando manter contato com meu olhar.
Bufo.
- Não se faça de idiota. Você me conhece.
- Acho que não. - Diz, utilizando um tom de zombaria.
- Abel! Você está louco? - Sinto tanta raiva, que a qualquer momento posso entrar em ebulição.
- Abel? Mas o nome dele é Theo. - Escuto Paul dizer atrás de mim.
Theo? Fico paralisada.
- Isso! Meu nome é Theo. Mas da onde você conhece o Abel? Ele é o meu irmão.
--------------------------------------------------