sexta-feira, 15 de maio de 2015

Tudo Começou Em Chicago: Cap 8 (parte 2) - De todas as cores, azul era a melhor.

   Estou sozinha em meu quarto com o violão no meu colo. Vou conseguir , penso comigo, dessa vez consigo.  Toco as primeiras notas, então quando as escuto sinto meu coração parar, meu corpo treme, um calafrio atinge minha nuca e meus olhos queimam. Dou um grito e deixo o violão cair no chão.
Começo a chorar, Felipe entra as pressas no quarto e me abraça.
- Calma, calma. Já passou. Não chore pequena Kate.
- Não consigo tocar mais nada, toda vez que tento vejo o papai! - Estou chorando em seu peito. Ele acaricia meus cabelos.
- Shiii! Eu sei. Mas vai passar.
- Quando?
- Um dia, quando tudo isso for passado, e você for grande, nada vai poder lhe atingir.
- Você nunca me deixará, né Lipe? - Pergunto enxugando meu rosto.
- Claro que não. Afinal sou seu irmão mais velho. Estarei sempre aqui. Sempre.
   Acordo atordoada com o barulho do meu alarme. Olho o relógio: 08:00 a.m. Estou toda coberta de suor, minha franja está colada na testa, e minha respiração ofegante. Fazia muito tempo que não sonhava com ele . Aquilo aconteceu uma semana antes do Felipe também nos deixar. De vez em quando mamãe recebe uma carta dele, com fotos, mas nunca tive coragem de ler. Encosto a parte de trás da cabeça na parede, continuo ofegante, respirando pela boca. Fecho meus olhos: Esquece, Kate. Esquece.
   Respiro fundo e pulo da cama, se não me trocar logo com certeza irei me atrasar.

   - DO QUE VOCÊ está falando?! - Mary arregala os olhos. - o seu Abel tem um irmão gêmeo?! Como assim?!
- Primeiro: ele não é meu Abel... acho que nunca foi. Segundo: Exatamente isso, quando cheguei pra ensaiar me deparei com o Theo.
- E como ele é? Idêntico?
- Claro! A diferença é que ele tem cabelo azul.
- Azul?! - Ela ri. - Que clichê.
- Como assim?
- Todo rebelde pinta o cabelo de cores estridentes. Uma forma de se mostrar fora do sistema.
Theo é um rebelde? Ele me pareceu bem normal.
- Não pode ser.
- Pois eu acho que sim. Já falou com Abel?
- Por que falaria?
- Eu iria tirar algumas dúvidas com ele. Perguntaria que estória é essa de irmão gêmeo. - Mary coloca as mãos na cintura. - Ora bolas, você namorou com ele por um mês, e ele nem para te informar que tem um irmão.
- Ele tinha dito que tem um irmão...
- Só esqueceu de mencionar que era gêmeo! - Diz, me interrompendo. - E que provavelmente deve ser um renegado, por isso o cabelo azul, e guitarrista de uma bandinha.
- Não quero ter que falar com Abel. A gente acabou.
- E daí?
- Não vou fazer isso M.
- Ok. Você quem sabe. Eu diria algumas verdades para esse cara. Nunca o vi e já morro de raiva dele.
   Dou uma risada.
- Você é hilária.
- Só falo a verdade. - Diz fazendo beicinho. - Vai se encontrar com a banda hoje?
  Confirmo balançando a cabeça.
- Posso ir?
   Seu pedido me pega de surpresa. Se M for, vai me ver cantando também. Já tem gente demais.
- Sabe o que é...
- Por favor! - M segura minha mãos. - Nunca tive amigos, por isso só vivo da faculdade para casa. Queria sair, conhecer lugares novos. Além do mais, você foi a única que continuou falando comigo.
   Fico encarando seus grandes olhos por trás de seu óculos.
- Tudo bem. - Digo revirando os olhos.
- Obrigada! - M beija minha bochecha. - Ah! E eu sou fã do seu pai!

                                                                              ***
   PAUL MANDA A GENTE ensaiar mais cinco vezes, quando terminamos minha garganta parece ter servido como campo de batalha para gatos furiosos. Me dirijo até o final do palco e coloco a guitarra de volta no lugar onde estava. Mary está em pé e me entrega uma garrafa de água. Bebo quase tudo.
- Foi fantástico!
- Valeu.
- Nunca imaginei que você fosse assim tão boa. - Posso ver o entusiasmo em seus olhos.
   Theo passa por mim afim de pegar também uma garrafa, ele bebe quase a metade da água sem respirar. Mary o encara como uma detetive semicerrando os olhos, o que me faz rir.
- O que foi? - Pergunta ele, enquanto enxuga o canto da boca.
- Nada. É que a M está tentando analisar você. - Ele levanta a sobrancelha. - Por você ser irmão gêmeo.
- Ah! Já tô acostumado com a galera me confundindo com o Abel. O que eu posso fazer? Somos parecidos - Responde dando de ombros, depois sorrir e balança o cabelo. - Mas foi por isso que pintei essas madeixas lindas aqui.
   Ele balança seu cabelo em minha direção. E perco o ar.
- Pois é, ontem eu devia ter me tocado sobre a cor do cabelo. É que na hora só pude pensar em como o Abel sabia disso. - Falo usando os braços para sinalizar a banda.
- Hum... O Abel pisou na bola? - Ele me olha com os cantos dos olhos.
- O que?! - Levo um susto, é como se ele tivesse entrado na minha mente.
- O jeito que você gritava, não parecia contente da ideia do Abel aqui.
- Imagino que não... - Mary sussurra.
- Ah isso... é que a gente teve uns probleminhas. - Lanço um olhar sério para ela.
   De repente escutamos uma briga atrás da cortina, Theo levanta uma parte da cortina vermelha para que possamos ver o que está havendo, então vejo a garota de cabelos vermelhos no celular. Como era mesmo o nome dela? Autumn.
- Caia! Escuta! não... não tem nada a ver... Dá pra você me escutar?!
- É a namorada dela. - Theo falar por cima da minha cabeça. Permaneço calada.
   Autumn percebe que estamos olhando e desliga o celular, depois vem andando furiosa em nossa direção.
- Olha aqui Theo, já mandei você para de falar da minha vida para as outras pessoas. - Diz agarrando a camiseta dele.
- Não enche. - Theo solta a mão dela de sua roupa. - Você tá amassando toda a camiseta.
- Queria amassar sua cara.
- Desculpe, não tínhamos a intenção de escutar a conversa. - Tento parecer o mais simpática possível.
- Você estava gritando. Chamou nossa atenção. - Mary diz, com um assustado. Provavelmente pela forma intimidadora da Autumn.
- Calem a boca. Não falei com vocês. - Ela me lança um olhar dos pés a cabeça, me deixando sem jeito.
- Nossa, por quê você tá tão nervosa? - Theo pergunta.
- Não é da sua conta! - Responde passando por nós dois, pega a bolsa e vai em bora.
- Sabe, não liga não. Ela é sempre assim... Pelo menos, na grande parte do tempo. - Escuto ele atrás de mim..
- Bom, isso deve ser uma droga. - Dou um suspiro. - Acho que ela não gostou de mim... - Digo meio cabisbaixa.
- É verdade. - Ele franze a testa, analisando sua resposta. - Deve ser porque você canta bem e toca muito bem.
- E daí? - Mary indaga.
- Como assim? - Vejo uma de suas sobrancelhas se erguer. A semelhança com Abel é incrível.
- Por que você tem que fazer todos os movimentos iguais ao do seu irmão? Pare com isso. Não consigo olhar para você sem que tenha que me lembra do Abel. - Saio andando em direção a minha bolsa. Theo vem caminhado atrás de mim.
- Você não entenderia... - Ele coloca suas mãos no bolso, como se sentisse frio.
- Me explique então.
- Bem, quando nascemos tivemos que assinar um contrato onde dizia que tínhamos que fazer tudo igual, para sempre. - Ele abre bem os olhos azuis, dando um tom de mistério.
- Muito engraçado. - Respondo sem olhar para ele.
- É um dos meus muitos talentos.
- E quais são eles? - Quando me viro, Theo está bem próximo a mim, e me encara tão perto que consigo sentir sua respiração, me deixando muito tensa.
- Tá conseguindo ver? - Ele continua me encarando. - Se eu me concentrar bem, às vezes consigo fazer a sobrancelha tremer. - Então ele se afasta e sorrir. - É raras as pessoas que conseguem fazer isso. Além disso, sou muito sedutor, as garotas me amam. E faço cookies melhor que ninguém.
Começo a rir. Mas não sei bem se é de nervoso ou porque ele soou engraçado mesmo.
- Uau, são realmente ótimos talentos.
- E você?
- Eu o que?
- Seus talentos. - Theo vai andando até sua mochila.
   Olho para trás dele e percebo que Mary agora está conversando com Blake. Sou um suspiro.
- Não tenho talentos...
- Até parece. Já sei que você canta super bem, e toca extremamente bem. Além do mais, é muito bonita, o que tirou minha atenção enquanto tocava. - Paro no mesmo instante. Ele ficou reparando em min enquanto tocava? Puta merda. - Então quais são os outros? Os que eu ainda não descobri.
- Não existem.
- Ora Kate, você não precisa se esquivar tanto de mim, só tô tentando te conhecer. - Diz enquanto tenta guardar a guitarra na bolsa.
- Não tô me esquivando...
- Tudo bem. Que tal a gente dar uma volta? - Ele se vira para mim, e sinto seus olhos me queimarem por dentro. Uma estranha combinação de ansiedade e nervosismo.
- Acho melhor não... - Olhar aqueles olhos me fazem lembrar o Abel. Eu ainda não consegui enxergar os dois como pessoas diferentes. - Tô com a Mary.
- Kate... - Ele franze a testa, me analisando. -... não sou o Abel. Posso parecer por fora, mas por dentro somos completamente distintos. - Responde como se conseguisse ler meus pensamentos.
   Sinto minha mente vazia e as palavras simplesmente deslisam da minha boca.
- Ok.

                                                                           ***
   COMBINO COM MARY dela voltar com o Blake, já que os dois estavam se dando bem.
Theo e eu andamos até a praça mais próxima. Chegando lá, sentamos na grama embaixo de uma árvore, Theo está deitado com os braços atrás da cabeça, fico do seu lado sentada enquanto o vento parece acariciar meus cabelos.
- Qual é desse cabelo azul? - Pergunto, mas fico olhando uma folha sendo levada pelo vento.
- Não gostou? Eu gosto de azul. - Ele está com os olhos fechados. Fico lhe encarando, e começo a morder o lábio inferior. Então o escuto suspirar. - Sabe... tente imaginar o que é ser sempre dois, nunca ninguém lembra seu nome, você sempre é comparado ao seu irmão, as pessoas acham graça por vocês serem tão parecidos, sua mãe só compra roupas iguais e na escola você só ouve os outros dizerem "você deveria ser mais como seu irmão, ele é mais divertido". Então um dia você descobre que sua namorada está lhe traindo com seu irmão e a desculpa dela é que vocês são muito parecidos. Ai você se pergunta "nem minha namorada consegue saber quem eu sou.", e você se dar conta que nunca soube quem era porque sempre viveu na sombra do seu irmão. Você então muda, tentar ser único, pinta o cabelo e o deixa crescer, logo decide sair de casa e mudar aquele destino que parecia está predestinado a viver. Sua mãe lhe diz que nunca o aceitará de volta, e seu irmão não lhe apoia. Você pega seu violão, algumas roupas e vai embora... Esse cabelo aqui. - Diz apontando para a cabeça. - Me ajudou a ser quem eu sou. Deixei de ser só um cara parecido com o irmão e passei a ser diferente. Isso responde a sua pergunta?
   Fico encarando-o por um tempo e quando seu olhar encontra os meus, desvio.
- Gosto do seu cabelo. É autentico. - Dou de ombros e minhas bochechas ficam vermelhas. Vejo um sorriso se formando em seu rosto. - O que foi?
- Nada... é só que... nunca ninguém me chamou de autentico.
- Bom. Mas você é. - Me deito na grama.
- Valeu. - Olho de lado para vê-lo, mas ele já está com os olhos fechados, cantarolando uma música bem baixinho.

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