sexta-feira, 17 de junho de 2016

Um Amigo Poético, Um Vaga-Lume

     Ele era interessante, era calado, estiloso e misterioso. No começo ele era diferente, e diferentes me atraiam como um vaga-lume no meio da noite. Não teve jeito, me aproximei. E quer saber a verdade? Ele era realmente engraçado, e idiota na maioria do tempo. Vivia doente e sentia muito frio. Não gostava de subir escadas, era muito preguiçoso, e gostava de reclamar. Mas mesmo assim, era como um vaga-lume que dança pela manta fria da noite.
Tinha mais alguma coisa ali, eu sabia. Ele não gostava de ler, mas até que leu. Bukowski. Ah, ele gostou! E a luz do vaga-lume só aumentava. Então desistiu do curso e eu me mudei dali. 

Dois anos se passaram. 
Ele apareceu de novo, continuava engraçado, mas tinha mudado. Usava outro tipo de cabelo, deixou a barba crescer, estava trabalhando, estudando e namorando. Agora ele era poetar! Lia de tudo. Tinha um signo que não combinava com o meu, no entanto, gostava muito de conversar com ele, mesmo que só pelo computador. E computadores tem a mania de deixarem as coisas mais interessantes, misteriosas e divertidas. Eu era apenas eu. E ele contava piadas todo o tempo. Mas era poeta. E era realmente bom. Ele floresceu. 

Enquanto ele ria e contava piadas pelo chat, eu escutava música clássica e escrevia em meu blog. Mal sabia ele que era sobre um vaga-lume que resolveu virar poeta. Gosto de poetas e gostava dele.

Termino de escrever e sorrio.
A melhor sensação é quando você encontra bons amigos.
Não é verdade?



quinta-feira, 16 de junho de 2016

Aforismo

     De madrugada, e nem tão de madrugada assim, tudo muda. Não é apenas eu, é tudo! O som, as vibrações que as paredes passam. É o cheiro da noite, os insetos que voam pelo meu quarto, a luz que brilha do poste. É o vizinho que assiste sua tv na casa em frente a minha, completamente solitário - apesar de ter uma família em sua volta. Sou eu e minha mania eterna de me sentir sozinha e fraca. É o frio que entra por debaixo da porta. É essa tristeza que me agarra todas as noites, todas as eternas noites. 
Nada tem graça, e ao mesmo tempo, tudo me faz rir.
- Será loucura? 
- Provavelmente.
- O que devo fazer?
- Hum... talvez nada, talvez alguma coisa.
- Não entendo.
- Okay. Pode ser isso também.

Assim é a noite: um diálogo vazio e sem sentido comigo mesma. Mas o que me deixa assim, sem folego, é essa grande possibilidade que as noites me trazem. É a capacidade de ser tudo e ser nada, de transbordar e de esvaziar, ir e vim, soltar altas gargalhadas ou chorar compulsivamente, de ser ou não. 
- De ser ou não. 

Hoje meu pai me disse para achar minha verdadeira paixão na vida e então, seguir. Ele disse que se eu a encontrasse, saberia para onde ir, o que fazer.
Paixão. Paixão. Paixão.
- Como faço para achá-la? 
- Vai ter que descobrir sozinha.
Talvez as noites sirvam para que cada um possa encontrar suas paixões, ou chorarem por não tê-las. 
Eu choro.


quarta-feira, 27 de abril de 2016

1996 - Capítulo 6

     "Tudo bem". Soa uma voz em minha mente, "Tudo bem chorar quando se tem o coração partido".

Coração partido? Lógico que não! Falando assim, até parece que eu alimentava algum sentimento por ele. Nunca faria isso! Só tenho a pura amizade. Felipe não passa de um amigo que surgio inesperadamente na minha vida. Então do que você está falando?

"Você tinha esperanças, não é?"

Esperanças?

"Esperanças de que ele estivesse começando a gostar de você, de que seus sentimentos eram verdadeiros. Então tudo bem em se sentir triste quando se pecebe que estava errada."

Eu tinha esperanças? De forma alguma! Felipe é apenas um amigo...

"Então por que choras?"

Porque ele foi um amigo que quebrou minha confiança! Teve a coragem de criar apostas sem se preocupar com meus sentimentos! Que amigo faria isso? Ele queria me conquistar, mostrar que conseguiu, e depois? Iria me deixar sem se importar com o que eu estaria sentindo. É por isso que estou chorando!

"Ora, se não existia sentimentos mais fortes, se ele não era tão especial assim, essas brincadeiras não devem lhe afetar tanto, afinal, seu coração não pertence a ele."

Bem... Você está certa! - Me levanto de repente, as lágrimas sessaram, passo a sentir meu coração mais firme e já não sinto mais necessidade de chorar. - Eu não me importo com isso, são apenas brincadeiras! Ele estava errado ao achar que eu cairia nessa, mas chorarei por causa disso. Apenas vou mostrar que não me importo!
Saio caminhando, dessa vez sinto minhas pernas mais firmes, sinto firme meus sentimentos. Posso voltar a olha-lo nos olhos sem medo do que vou sentir.

                                                                        ***

     Ao terminar o intervalo, volto para a sala e me sento, Adriana e Julia estão me olhando inconformadas.
- O que foi? - Pergunto com um sorriso.
- Você sumiu! Procuramos você na escola interira, idiota! - Julia parece está mesmo chateada. - Se você queria um tempo era só avisar, assim nos polpava de ficar o intervalo todo andando!
- Desculpa. - Vejo o quanto a deixei chateada e me sinto mal por isso.
Adriana inspira forte.
- Está tudo bem. - Ela parece ter entendido alguma coisa. Mas o que?
- Como assim tudo bem?! Ela nos fez perder todo intervalo, logo quando hoje tinha os melhores salgados na cantina...
- Tá tudo bem em querer ficar sozinha depois de descubrir o que seu amigo fez. - Adriana interrompe Julia. Levanto as sobrancelhas espantada. - Eu também não ficaria feliz em saber disso. Por isso, sou eu que tem que pedir desculpas, acho que falei demais. Não percebi que você ia ficar tão triste.
- Ó! - Julia parece mais ofegante. - Então foi por causa disso? Adrih me contou o que aquele idiota fez, enquanto estávamos procurando por você...
- Não! - Sai quase sem controle. - Estou bem, não fiquei chateada. Afinal, esse é o jeito dele, sempre fazendo brincadeiras sem graça... Tá tudo okay.
As duas ficam me encarando com as sobrancelhas em pé. Mas sei o que estou sentindo agora, elas não precisam saber o que aconteceu, só que estou bem.
- Bem... se você diz. - Fala Adriana.
A professo de história entra na sala e todos começam a se sentar e ficar em silêncio. Felipe volta ao seu lugar e me olha como se estivesse entendo investigar alguma coisa. Então eu sorrio de volta e digo:
- O que foi?
Felipe continua me olhando estranho.
- Nada... só tive a impressão de que você estivesse me evitando.
- O que?! - Começo a rir. - Do que você está falando, besta?! Parece de pensar bobagens e preste atenção na aula, afinal de contas você está preciando melhorar sua nota, não é mesmo?
Ele continua olhando por um tempo, então sorrir e depois se vira para a frente, me pegando totalmente de surpresa fazendo meu coração parar e minhas bochechas corarem. O que foi isso? Essa pulsação forte em meu coração? Balanço a cabeça e volto minha atenção para o quadro.
 "Isso não importa".



terça-feira, 26 de abril de 2016

1996 - Capítulo 5

     Entro na sala de aula e lá está Felipe conversando todo animado, ele me vê e sorrir caminhando em minha direção. As coisas que ele disse ontem ainda estão circulando dentro da minha cabeça, passei a noite anterior inteira tentando entender o que ele queria dizer com sempre estará aqui para ser meu santuário? Eu nunca tinha o visto dizer esse tipo de coisa, me sinto perdida sem saber que Felipe era aquele. Ele sempre foi cheio de si, sempre saio o várias garotas e sempre sorri, como pode ele dizer que se sente só? O que ele esperar atingir dizendo aquelas coisas? Ahh! Minha cabeça está tão confusa, estou perdida em milhões de pensamentos e nada faz sentido. Será que não foi apenas uma de seus brincadeiras? Isso começa a me deixar chateada.
- Bom dia! - Ele parece mais feliz hoje.
Me abraça e me beija na bochecha.
- Bom dia. - Respondo sem olhar para ele. Sento na minha cadeira e começo a tirar o material da bolsa. Quando avisto Adriana chegando, levando e vou em sua direção. Preciso sair de perto dele.
- Bom dia, flor. - Digo sem deixar que aparente minha aflição.
- Preciso falar com você, urgente! - Drih coloca sua bolsa na mesa e me puxa pelo casaco, me levando para fora da sala.
Quando estamos no corredor, ela me olha como se guardasse um segredo.
- O que foi? - Pergunto.
- Você não vai acreditar quem foi falar comigo ontem!
- Quem? - Começo a ficar apreensiva.
- O Felipe!
- Felipe? - O Felipe foi falar com ela? Mas o que isso tem de novo? Eles são melhores amigos, vivem se falando. Não entendo o motivo de tanta agonia.
- Ele veio conversar sobre umas paradas ai... ficou contando os problemas de sempre - Adriana revira os olhos. - ai contou sobre o passeio de vocês no meio da mata.
Ah não! Ele contou sobre aquilo pra ela! Adriana me lança um olhar desconfiada e meu coração para. Ele contou que eu chorei! É melhor eu inventar uma desculpa logo. Quando estou preste a abrir a boca para dar uma desculpa, Adriana fala:
- O Felipe está afim de você Mari.
Eu paro na hora. Esqueço tudo que ia falar, e só presto atenção naquela fala.
- O-o que? - Minha voz sai mais baixa que deveria.
- Ele veio ontem contar sobre o passeio de vocês e que desde que vocês passaram a andar juntos, já não pensa mais na Laura, ou em como se sentiu acabado por ter sido traído por ela. Ele disse que está gostando e que queria ficar com você!
Permaneço calada sem saber o que falar.
- Mas isso tem que ficar em segredo. Ele disse que não era para dizer nada, mas como sou sua amiga e dele também, acho mais que perfeito vocês juntos.
Adriana fala uma coisa atrás da outra, mas meu cérebro parece ter congelado.
- Ele disse que apostava que consegui ficar com você. Eu disse ser impossível, afinal, você é muito dura e não ia cair no papo dele.
- Ele apostou? - Minha cabeça ainda está dormente, então não consigo pensar em muitas coisas. Mas meu coração dá uma pontada quando ela conta da aposta. Por algum motivo isso me deixa decepcionada.  - Ele apostou com você?
Adriana me olha e balança a cabeça, afirmando.
- Ele só está afim de mim porque me pareço com a Laura, todos sempre dizem que parecemos gêmeas.
- É, tem isso também. - Pondera Drih. - Pode ser que seja por esse motivo, afinal, Felipe ainda não deve ter esquecido a Laura.
- Isso não é justo...
Adriana me olha como se não entendesse.
- Não é justo ele querer ficar comigo por um capricho dele. - Aumenta a dor no meu coração e uma raiva sobe em minha cabeça. - Ele só está pensando em si, não se importa em como vou me sentir quando ele me deixar por não conseguir responder a suas expectativas, porque nunca poderei ser como a Laura. Então por que ele está fazendo isso?
Agora tudo faz sentido, todo aquele papo, toda a sua gentileza, tudo isso para tentar me conquistar.
Por um segundo pensei que poderia está me apaixonando por ele, e pior, cheguei a pensar que ele também estava gostando de mim... Agora eu sei que tudo isso é porque eu o faço lembrar Laura, não tem nada a ver comigo. De certa forma, me sinto desapontada.
- Mari? - Adriana está me olhando com uma interrogação.
Tento respirar fundo e por meus pensamentos em ordem.
- Hum... Está tudo bem. - Sorrio. - Não tenho nenhum sentimento por ele. Felipe é apenas meu amigo... - Faço um pausa, e posso sentir o surgimento de mais um trinco em meu coração. Por que isso está me incomodando tanto? - Ele não conseguirá o que quer, pode ter certeza. Nunca ficaria com ele.
Não consigo acreditar nessas palavras, mas não posso demonstrar isso. Adriana sorri.
- Bem, foi o que imaginei. Ele realmente não lhe conhece como eu. - Ela pega o celular e parece olhar alguma mensagem que chegou. - Olha a hora! Vamos voltar para a sala.
Adriana sai caminhando na minha frente e eu a sigo. Enquanto caminho sinto como o chão estivesse sumido, e minha cabeça fica a mil. O que é isso Mariana?! Por que estou me importando tanto com isso? Não pense mais nisso. Chega!
Volto para meu lugar sem responder ao sorriso que Felipe me lança. Você não é justo, penso. Coloco toda a minha atenção apenas no professor, mas não posso deixar de tonar a interrogação formada na feição de Felipe.

                                                                           ***

     Permaneço sem falar com Felipe. Na hora do intervalo me levanto rápido antes que ele possa dizer algo. Saio caminhando rapidamente, não sinto fome, então vou para o jardim que fica isolado atrás do campo de futebol. Ninguém vem aqui por ser um lugar meio distante dos prédios, então só encontro o jardineiro que está aguando as flores, ele olha para mim e sorrir, depois volta ao seu serviço.
Ainda bem que não tive que sorrir de volta, suponho que não fosse conseguir. Ando mais um pouco até achar um lugar mais escondido atrás de umas árvores, eu me agacho e cruzo os braços por de cima dos meus joelhos, fico um tempo só com aquele silêncio e a brisa balançando as folhas. Então abaixo a minha cabeça e choro.

                         

segunda-feira, 25 de abril de 2016

1996 - Capítulo 4

    A respiração quente de Felipe aquece meu pescoço, continuo em seus braços, e ele continua a me segurar sem dizer nada. Choro em sua camisa até secar minhas lágrimas. Não sei o que está acontecendo comigo, o porquê de ter desabado desta forma. minhas mãos tremem mais continuo segurando com força sua camisa.
- Mari... - Sua voz sai baixinha, e me arrepia. Me solto dele, enquanto limpo meu rosto.
- D-desculpe-me... - minha voz sai tremula.
Felipe fica me olhando com um olhar preocupado, mas permanece calado.
- Esse lugar é realmente bonito. O-obrigada por me trazer aqui. - Tento sorrir, mas meu rosto inchado não permite que sai tão bem quanto imaginei.
- Mari...
- Tudo bem, Felipe. Vamos esquecer isso. - Fico séria. Não gosto desse olhar dele preocupado em cima de mim, não gosto de ser vista assim. Me sinto exposta, sinto como se ele conseguisse ver um lado meu que me esfosso tanto para esconder. Não Mariana, permaneça forte, se controle.
- Você não precisa fingir pra mim. - Suas palavras me fazem parar. - Por favor, não finja para mim.
Seu olhar é inquieto, ele me olha como se suplicasse por algo. Isso me deixa nervosa. Desvio o olhar dele.
- Do que você está falando? - Ando em direção ao lago. - Essa água está tão limpa que dá para ver as pedrinhas no fundo. É maravilhoso. - Mudo de assunto e rezo para que ele mude também.
- Sim... - sua voz é fraca atrás de mim.
- E essas flores, parece que estou antando em meio as nuvens. Eu simplesmente amei esse lugar. - Me viro para ele e sorrio. - Obrigada!
Sua feição muda automaticamente. Aquele olhar baixo cria vida e Felipe abaixa a cabeça. Então fico chocada, Felipe estava vermelho, não consigo entender o motivo. Talvez ele esteja apenas irritado por eu ter chorado e agora estou tentando fazer as coisas parecerem normal. Talvez ele esteja pensando em como sou ridícula, com toda essa mudança de humor.
- Ei, Mari! Vamos deitar aqui, okay?
Felipe caminha até o meio das flores e se deita. Caminho até sua direção e deito ao seu lado. Deixo minha mão cair do meu lado e então, algum tempo depois, sinto a mão dele segurar a minha.
Me viro para enxerga-lo, mas ele continua com os olhos fechados, enquanto segura a minha mão.
- Aqui podemos ser nos mesmos. - Ele fala mantendo seus olhos fechados. É tão inesperado que não sei o que dizer. - Aqui podemos dizer o que quisermos. Podemos sentir o que quisermos, e amar quem podermos, aqui não há medo ou insegurança, aqui nunca estamos sós, nenhum problema existe aqui.
Ele para de falar e respira, depois continua:
- Agora entendo o motivo de você ter chorado. - Permaneço imóvel. - Você também percebeu isso, então largou seu sofrimento para trás. Tá tudo bem em não se sentir mais só. Eu normalmente me sinto só, mas quando estou com você isso desaparece, você é como esse santuário... tira toda a tristeza de mim. Então, tudo bem em ser você mesma e chorar, porque eu estarei aqui para ser seu santuário.
Arregalo os olhos e perco a fala, mas suas palavras ficam ressoando dentro de mim e de alguma forma me sinto leve. Eu entendo o que ele diz, me viro e fecho também fechos os olhos, e não sua mão.

   

1996 - Capítulo 3

    No meio da tarde, já em casa, resolvo ir para cozinha cozinhar alguns cookies. Estou sozinha, enquanto mamãe e papai estão fora, trabalhando. A campainha toca, e corro para abrir a porta. 
- Oie! - É o Felipe. Está sorridente. 
- Oi. O que foi? - Pergunto. 
- Tá afim de andar de bicicleta? Tava pensando da gente andar até a mata e então podíamos fazer uma trilha. 
Felipe sempre adorou fazer caminhadas no meio do mato, ele já descobriu alguns lagos perdidos, e sempre que encontra alguma coisa nova fica todo entusiasmado como se fossem lugares mágicos. 
- Bem... - Sorrio sem graça. - Agora estou ocupada... estou com alguns cookies no forno, na verdade se eu não for agora olha-los vão queimar. 
- Então acho melhor você ir logo, não queremos comer cookies duros. - E sorrir mais uma vez. 
Fico hipnotizada pelo seu sorriso tão largo. 
- Mari? 
- Ah! - Fico sem graça de novo. - Pare de sorrir tanto...
Coço a cabeça e me viro para ir até a cozinha. Meu deus, já estou pegando a mania dele de sempre coçar a cabeça. 
- Porque não posso sorrir? - Ele faz uma cara séria. - Isso faz seu coração bater mais forte? 
E então ele sorrir mais uma vez, dessa vez ele está rindo com suas piadas que me fazem corar. 
- Até parece. Só não vejo motivo pra tanto sorriso. - Digo enquanto abro o forno. Huuum, esse cheirinho de cookies quentinho, posso até sentir meu estômago roncar. 
- Meu Deus, Mariana! Assim não tem como manter esse corpinho se toda vez você me enche com esses biscoitos!
- Bem, você não precisa comer se não quiser. - Debocho. 
- Nunca faria tamanha desfeita. - Diz enquanto tenta atacar o primeiro cookie. - Ai! 
- Você devia ao menos esperar esfriar. Desse jeito você não vai conseguir comer nada sem queimar os dedos. 
Ele da algumas mordidas e larga o biscoito em cima da mesa. 
- E então? 
- E então o que? 
- Vamos ou não fazer a trilha? 
Meu corpo preguiçoso implora para ficar em casa e quando estou quase negando, reparo em seu rosto alegre e esperançoso. Ai! Mas por que isso sempre me conquista?! 
- Tudo bem... - Digo derrotada. 
- Oba! - Felipe dá um sorriso de uma ponta a outra do rosto. 

                                                                      
                         

                                                                               ***

    Estou morta depois de ter que pedalar mais de sete quilômetros até chegar ao começo da trilha. Céus! Meu sedentarismo não permite que eu faça esse tipo de coisa. Esse Felipe, solto um olhar furioso para ele, por que ele ainda consegue me manipular desse jeito?! Me trazendo até aqui, quando eu podia está deitada comendo meus cookies. 
- Ei. - Felipe me olha com se estivesse pedindo desculpa. - Eu sei que você não gosta desse tipo de coisa, mas estou feliz por ter vindo. 
E então meu coração amolece e toda a raiva se vai. Lá vou eu de novo sendo comprada por algumas palavras bonitas que esse moço diz. 
Solto o ar, cansada. 
- Tudo bem. Me desculpe... - Digo. 
- Você vai gostar. Prometo! - Diz sorrindo. 
Pronto. Meu coração se derrete feito açúcar, e entro na trilha com ele sem mais sentir raiva. 

    Felipe anda na minha frente e eu tento acompanha-lo, mas toda vez que percebe que estou ficando para trás, ele para e me espera. Quando tenho que pular sob algum tronco ele me da a mão, enquanto fica falando sobre os tipos de plantas e árvores. 
- E essa é muito utilizada para fabricação de remédio. Ontem mesmo eu estava assistindo a um programa de médicos que só trabalhavam com remédios caseiros, que eles mesmo produziam com o que podiam tirar da natureza. Não é demais? - Diz empolgado. 
- É sim. - Digo enquanto tento desviar dos galhos no chão. - Você devia cursar medicina. Tem mais a ver com você do que engenharia, afinal você já fica metade do tempo assistindo programas médicos. 
Ele para e me encara. 
- Medicina? - Ele pensa e depois responde. - Não... acho que não tem nada a ver comigo. - Então continua caminhando. 
- Tá certo. Mas continuo a achar essa a melhor opção. 
    Continuamos andando por uns vinte minutos, e quando já não estou mais aguentando, ele para.
- Chegamos! 
Felipe para na minha frente com os braços na cintura. Passo por ele e meu olhos se arregalam. Na minha frente um belo jardim com centenas de margaridas pelo chão, várias árvores com flores penduradas, e um lago com pequenos pássaros que param para beber água ou se banhar. A luz do sol que passa pelas árvores brilha ao encontrar a água e tudo parece mais que vivo, parece mágico. Agora eu posso entender. Entendo como ele se sente quando está aqui, é como... é como... como me sentisse livre. 
- Mari? - Felipe vem até mim e me olha com cautela. - E então? - Ele encolhe os ombros. 
Meus olhos se enchem de lágrimas. 
- Você não gostou?! - Seu olhar parece preocupado agora. - Me desculpe, eu pensei que você pudesse gostar daqui... só quis mostrar a você o porquê que venho tanto aqui. Entendo que você não tenha gostado, você prefere ficar mais em casa...
- É... lindo. É perfeito, Felipe! - Pulo em sua direção e o abraço. O abraço porque não quero que ele me veja chorando. Felipe me aperta em seu braços e posso senti-lo cheirando meu cabelo. 
Esse lugar, ele preenche meu vazio. É tão puro que não consigo me conter. 


1996 - Capítulo 2

   Entramos na sala de aula e nos sentamos juntas. Olho em volta da sala de aula para ver se encontro Felipe, e logo o vejo sentando com um menino novato. Olho para o resto da sala e percebo muitos novatos, rotos desconhecidos e acanhados.
- Quanta gente nova. - Digo baixinho.
- Verdade. - Adriana concorda. - Por que essas pessoas resolvem mudar de escola faltando apenas um ano para se formarem?
- Não sei.
Há um barulho agoniante na sala com todos conversando, mas logo se sessa com a entrada do professor Gustavo de física. Já o conheço dos outros anos, então não fico constrangida como sempre ocorre com professores novos.
- Bom dia turma! - Professor coloca seu material em cima da mesa, se senta em cima da mesa e sorrir.
Escuto um suspiro do meu lado.
- Ah! Esse professor Gustavo é lindo! - Adriana diz baixinho, como se estivesse hipnotizada.
- Bem, sou o professor Gustavo e ensino física. A maioria da turma já me conhece, mas estou vendo que temos muitos rostos novos aqui. Então como é de praxe vamos nos apresentar para que possamos conhecer os novatos e para que eles nos conheçam. Digam de seus nomes e o curso que pretendem cursar. Okay? Vamos começar pela fileira da esquerda.
As meninas mais inteligentes da turma começam a se apresentar uma a uma, e dizendo seus cursos. Alguns novatos vem em seguida e surgem todos tipos de cursos. Cinema, engenharia, direito, arquitetura, moda, enfermagem... Logo chega a vez da Julia, que está sentada na minha frente.
- Me chamo Julia, e se Deus quiser passo para Eventos. - Diz enquanto coloca as mãos para o céu. Uma cena cômica, mas típico dela.
- Mas sem estudar não funciona muito pedir para o céu. - O professor responde achando graça. - Próxima.
- Mariana, e pretendo cursar gastronomia na Itália. - Me sinto meio constrangida por ter que falar na frente de tantas pessoas novas. Sinto minha bochecha vermelha.
- Muito bem. - Diz o professor. - Próximo.
- Adriana, quero cursar Saúde Publica.
- Muito bem, Drih. - O professor sorrir. - Próximo.
E atrás de mim posso escutar Adriana rindo.
- Ele é realmente lindo quando sorrir.
As pessoas continuam falando e então escuto.
- Felipe, e não tenho ideia ainda do que quero cursar. Talvez alguma coisa na área de exatas.
Fico olhando enquanto ele coça a cabeça, como sempre faz quando está pensando sobre algo que não sabe. Acho graça nesse jeito dele e dou uma risada contida, para que ninguém perceba. O garoto loiro que está sentado bem atrás dele fala:
- Gabriel, pretendo cursar engenharia civil.
- Seja bem vindo Gabriel. - Cumprimenta o professor.

                                                                          ***
 
   Ao decidirem quem seria a representante de classe, Fernanda foi eleita por ser a mais inteligente e responsável da sala. Logo em seguida ela começa a montar o mapeamento da sala, perguntando onde cada pessoa quer sentar o resto do ano. Assim acabo sentando na fileira da esquerda colada na parede, na minha frente está Felipe e na fileira do meu lado estão Adriana e Julia.
Felipe se vira para trás de repente.
- Juntos mais uma vez. - E faz o sinal de dois com os dedos. Por algum motivo aquilo me faz feliz e aliviada de está sentada perto dele.
- Parece que sim. - Respondo meio constrangida.
Começo a sentir calor, então começo a prender meu cabelo em um alto rabo de cavalo, quando termino percebo que Felipe está para me olhando com os olhos arregalados.
- O que foi? - Inclino a cabeça.
Ele balança a cabeça e sorrir.
- Você fica extremamente bonita com o cabelo assim. Vai entrar para meus penteados favoritos.
   Minhas bochechas imediatamente ficam vermelhas e meu coração palpita.
- Ei! Não fique falando essas coisas! Você sabe que isso me deixa constrangida. - Digo olhando para mesa.
Felipe rir:
- Não faça essa cara. Faço isso para lhe irritar.
Fico irritada com ele e viro o rosto. Mas na verdade não estou chateada de verdade, no fundo até gostei do elogio, só não consigo dizer isso.


1996 - Capitulo 1: Primeiro Dia

   Definitivamente hoje será um dos melhores dias da minha vida. O primeiro dia do meu último ano na escola!
   Saio do carro, me despeço do meu pai e fecho a porta. Noto a quantidade de alunos concentrados na quadra, e o grande barulho das conversas, logo começo a me sentir ansiosa. Com minha eterna mochila amarela, já a uso faz uns cinco anos, ando até a multidão aglomerada na quadra à procura de encontrar alguém conhecido. Saio andando e não posso deixar de notar os novos rostos. - Quantos novatos. - penso comigo.
Avisto o professor Bruno de educação física, ele está no meio da quadra tentando organizar as filas por turma. O coitado com certeza não está conseguindo ter sucesso em sua tarefa. Solto uma risada baixinha.
Então, de repente, três crianças passar correndo por mim, me fazendo perder o equilíbrio e ir de encontro ao chão.
- Ai! - Digo, ao cair de bunda.
- Olha só quem está de volta! - Ouso uma voz atrás de mim, ainda no chão me viro para ver quem é e me deparo com tênis sujos de terra e em uma perna uma pulseira do reggae. Na hora reconheço quem é.
- Só podia ser você Felipe, para ver uma dama no chão e não ajuda-la. - Digo em tom de deboche.
Ele rir e enquanto se abaixa para me ajudar, diz: - Dama? hahaha! Grossa desse jeito, tá longe de ser uma dama.
Faço um bico chateada, mas logo desmancho quando vejo sua cara sorridente e começo a rir também.    Felipe é alto e loiro, mas sua pele é de um tom bronzeado de quem vive na praia, tem os braços bem definidos, ele repetiu de ano quando estava no segundo ano do ensino médio, então desdo ano passado ele e eu passamos a estudar juntos. Aos poucos fomos nos conhecendo melhor, ele me chamou para ser seu par de dança na festa junina quando percebeu que eu estava sozinha, porque sempre estive sozinha. Então descobrimos com o tempo que também morávamos no mesmo condomínio, apesar das casas se posicionarem em locais distantes, desde então Felipe passou a ir de vez em quando para a minha varanda, onde ele tinha que escalar uma árvore para chegar, e assim ficávamos horas conversando ou estudando.
 Desdo dia que repetiu e teve seu orgulho ferido por ver seu irmão gêmeo passando em sua frente, Felipe estuda para tirar apenas notas altas. O que me instiga  à tirar notas altas também, pelo meu forte senso de competição, estamos sempre competindo para tirar notas mais altas, e mesmo eu sempre conseguindo tirar notas mais altas que ele, Felipe nunca ficou irritado, apenas olha a nota e sorrir sozinho, como se sentisse orgulho de mim. Sempre me deixando intrigada.
Desde então, somos amigos, e toda vez que a nossa representante de classe faz o mapeamento da turma, pedimos para sentarmos juntos. Me sentindo bem estando com ele.
- Ei! Cabeça oca, pare de sonhar e venha logo para a fila, ou vai acabar ficando no fundo! - Felipe fala ao dar uma leve puxada em meu cabelo.
Sorrio e tento me apressar para acompanha-lo.

   Estou na fila feminina da turma 3° A, Felipe foi para a fila masculina e ficou um pouco distante de mim, agora para conseguir vê-lo tenho que esticar meu pescoço para trás e ficar na ponta do pé. Enquanto estou me esticando para tentar achar ele, vejo no final da fila Adriana, minha melhor amiga desdo dia em que cheguei nessa escola. Ela parece não me notar, permanecendo a olhar para o chão. Vez ou outra alguém chega para cumprimenta-la.
Adriana tem cabelo comprido e loiro, olhos verdes e tem um corpo esbelto de quem pratica yoga. Na maioria das vezes sua adesivos no rosto para cobrir os cortes que seu gato faz em seu rosto quando ela o agarra com toda força. Sempre foi muito popular na escola, por mais que nunca tenha medido esforços para conseguir isso, seu próprio carisma e empatia fazem dela uma pessoa querida por todos. Ela é a melhor amiga do Felipe, e moramos no mesmo condomínio. Sempre que chega o período do sarau, a diretora Margarida a convoca para participar com uma apresentação solo, que sempre é ela cantando alguma coisa. Adriana sempre teve uma bela voz, e mesmo sendo acanhada em seu dia-a-dia, na hora que é para subir no palco ela o faz com total destreza. Mais pontos que a fazem ser querida pelos alunos e professores. A garota mais desejada entre os garotos, mas nunca nota esse seu efeito. Ela é tão inteligente, e mesmo não sendo boa na matemática, isso não diminui sua imagem erudita. Eu sempre a admirei por ser tão autentica, às vezes me via tentando copiar seu jeito único, mas não me saia muito bem. Adriana nunca se importou por eu ser extremamente tímida e por não chamar atenção, ela sempre diz que sou muito mais importante que esses pequenos detalhes e que nunca conheceu alguém tão inteligente. Seu jeito verdadeiro faz com que eu consiga me desabrochar ao seu lado e me permite ser verdadeira também.
Saio caminhando para o final da fila e dou um pulinho na sua frente, sorridente.
- Adrih! - Solto um gritinho entusiasmada.
- Mari! - Assim que me vê, sorrir e me abraça.
- Que saudades meninas! - Sinto uma terceira pessoa nos abraçando, mas logo reconheço a voz.
- Julia! - Adriana e eu gritamos e nos juntamos para abraçar Julia juntas.
Julia é a única garota lésbica do nosso trio e com ela formamos o grupo perfeito. É a mais alta também, tem cabelos castanhos e no ombro. Ela foi a terceira a chegar, um ano depois de mim. No começo permaneceu perdida, mas logo depois Adriana conseguiu traze-la para nosso grupinho e a fez se sentir tão bem, que não demorou muito para Julia começar a se abrir sobre a questão da sua sexualidade. Ela tinha medo de não ser aceita pelas pessoas da sala, mas logo Adriana quebrou isso e mostrou que isso não era motivo para sentir medo. Com o tempo, Julia foi se soltando e agindo do jeito q sempre foi, a mais alegre e imperativa, com seu jeito meio machão adorava arrumar briga com os meninos, e sempre fazia de tudo para defender nosso trio.
- Meninas, esse será nosso último ano juntas, temos que aproveitar tudo! - Julia parece feliz.
- Finalmente é o último ano. - Diz Adriana. - Mas vou sentir falta disso aqui tudo.
Nesse momento me dou conta de que rezei tanto para terminar logo a escola, mas que ela fez parte de um importante momento da minha vida, e que na verdade, sou muito grata a tudo isso.