quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Tudo Começou Em Chicago: Cap 3 - Um Cão Chamado, Max.

Já se passaram duas semana desde que começou as aulas. Laura não para em casa, está cheia de amigos, vive saindo para festas. Até que me chamava no começo, mas neguei tanto que um dia ela simplesmente parou de perguntar. Agora nosso contato se resume a "Oi! Tô saindo!", ou "Desculpa Kate, tô sem tempo pra conversar agora. A noite a gente se fala, ok?" , mas é claro que não nos falamos a noite, digamos que sou uma pessoa diurna, e ela noturna, assim nossos horários nunca se batem.
Fico mais tempo no meu quarto escrevendo, do quem em qualquer outro canto. Tenho trabalhado no projeto da aula de Teoria Universal da Literatura, com o professor Collin. O esquema é escrever uma história na visão de um cachorro, só que o problema é que tenho certos bloqueios ao escrever sobre animais, quanto mais na visão deles. Então, já estou a três dias parada no primeiro paragrafo, toda vez que me atrevo a escrever o segundo, tudo sai um desastre, e só tenho mais dois dias.

Depois de ficar mais duas horas sentada na frente do computador e não conseguir nenhum progresso, decido sair para comprar alguma coisa pra comer. Coloco o casaco que tem um gato bordado nas costas, um gato amarelo, brincando com um pouco de lã. Passo pela sala em direção a porta, e paro olhando para a cozinha escura, sem Laura aqui ela se torna solitária e triste com tudo no seu devido lugar, limpo.

Ando pela rua atrás de alguma lojinha de doces ou de comida japonesa, quando me deparo em frente ao Smell of Coffee, já é noite e faz frio, lá dentro tudo está tão iluminado e aconchegante que resolvo entrar para tomar um café. Quando entro, vejo  Abel atrás do balcão servindo os clientes, ele está tão focado nos afazeres que nem me nota parada na sua frente.
- Oi? É... eu gostaria de um café com creme de laranja.
Abel ao escutar minha voz olha rápido para cima e quando me ver abre aquele grande sorriso de ponta a ponta, aquele sorriso que me deixa vermelha.
- Olá, Bianca! Que surpresa, faz tempo que não te vejo aqui e também não te encontrei na Universidade...
- Não sabia que estava me procurando. - Percebo que Abel fica vermelho.
- Hahaha, na verdade procurei mesmo, queria te convidar pra uma festa que vai ter na casa de um amigo, toda galera da universidade vai. E eu vi sua amiga, Laura, nas outras festas, pensei que, talvez, você quisesse ir nessa...
Fico olhando para seus olhos azuis que piscam rápido demais, seu cabelo preto continua todo bagunçado, ele esbanja um sorrido de matar qualquer garota. Prendo a respiração. Ele está mesmo me convidando pra sair? Começo a ficar nervosa, mordo meu lábio de baixo, Abel ainda me olha esperando uma resposta.
- Hum...é... acho que não vai dá. - Falo olhando para o chão imediatamente, estou tão nervosa que não consigo encara-lo.
- Sério?! - Sinto o desapontamento na sua voz - Mas vai ser legal, você pode conhecer gente nova e podemos passar mais tempo juntos. - A última palavra foi dita tão baixa que quase não a escutei. Abel dá um sorriso rápido, começa a coçar a cabeça, e vejo suas bochechas ficarem rosadas. Ele está nervoso? Com o que?
- Olha, desculpa, mas não dá mesmo. Tenho um projeto para entregar na segunda e tô meio perdida no que escrever.
- Ah é?! Se quiser eu posso ajudar. - Ele fala tão rápido que me deixa com mais vergonha.
- O que?! Não! valeu. Tô bem, só preciso me concentrar mais.
- Tem certeza? Porque eu sou bom escrevendo histórias. - Eu lanço um olhar de surpresa para ele. Abel escreve bem? Quando percebe meu olhar confuso, começa a se explicar.
- É que minha mãe escreve vários livros, - Ele dá de ombros - então, meio que eu aprendi algumas coisas...
Olho para ele paralisada, fico sem piscar, não sei o que responder, me sinto encurralada.
- Tá bom... - Respondo, e vejo Abel abrir aquele seu sorriso de novo.
- Ótimo! Você poderia me esperar aqui, meu turno acaba daqui a pouco.
- Mas e a sua festa? - Olho para ele sem entender. - Podemos escrever amanhã...
Abel bufa e volta a mexer no cabelo:
- Festas se tem o tempo todo, seu trabalho tem prazo.- Diz encolhendo o ombro.
Pisco algumas vezes rapidamente, inspiro e seguro o ar.
- Ok. Eu espero...
Abel sorri.
- Então deixa eu te fazer um café com creme de laranja, afinal tenho que terminar isso aqui rápido.


                                                                            ***


Abro a porta de casa e deixo Abel entrar primeiro. Ele olha impressionado pra sala.
- Nada de televisão? São perigosas demais? - Diz coçando o queixo e sua barba rala.
- Pois é, nunca se sabe quando podem atacar.
Abel me lança um sorriso.
- Ok, me diga onde está a mesa com a papelada para que eu possa começar o meu trabalho, que é te salvar de um zero.
Começo a rir
- Me salvar de um zero?
- Exatamente.
Achando graça de sua afirmação, vou andando em direção ao quarto. Abel vem atrás de mim.
- Nosso primeiro dia e já vou conhecer seu quarto? Tente ser menos atirada. - Ele está rindo, achando graça da minha reação.
- E você, tente ser menos babaca. - Atiro seca, mas também constrangida.
- Ei, tô brincando. Na verdade estou muito feliz de está aqui.
- Ah é? - levanto uma sobrancelha.
- Porque isso quer dizer que seremos amigos, né? - Ele da de ombros.
Paro por um instante na frente na porta do meu quarto, eu não tinha pensando nisso. Amigos... eu e Abel? O cara gato da cafeteria? E já estou levando-o para meu quarto? Como isso foi acontecer?
Não importa, balanço a cabeça para afastar esses pensamentos, ele vai me ajudar com a redação e é só isso.
Entro no quarto e acendo a luz, tudo agora está em seu devido lugar, as roupas no armário, prendi algumas fotos minhas com a minha mãe no painel, fotos na praia, outra no cinema, no museu, fazendo careta em quanto tomávamos sorvete e fotos com Laura na livraria. Em cima da cama tem uma colcha feita pela vovó, toda bordada. No chão continuava o tapete azul felpudo, e em cima da mesa estava meu notebook com os vários papeis das aulas.
- Gostei do seu quarto, é bem acolhedor. - Abel fala olhando para as fotos no painel. - Essa é sua mãe?
- É
- As fotos são de quando você morava no Brasil?
- Isso. - Respondo, mas já não estou prestando atenção no que Abel está fazendo, vou até a mesa e ligo o notebook. Olho para trás e vejo que Abel está deitado na minha cama, me sinto um pouco incomodada por ele está aqui.
- Então, me fale um pouco do que é esse seu trabalho. - Abel pergunta colocando as mão atrás da cabeça e cruzando as pernas. Aparentando total conforto.
- Uma história na visão de um cão. Qualquer história...
- Só isso? - Fala surpreso e eleva um pouco a sobrancelha.
- Só... - Fico vermelha - Não tenho tanta facilidade de escrever me pondo no lugar de um cachorro.
- Por que não? - Abel lenta interessado na minha resposta.
Respiro fundo, formulando o que responder. Solto o ar pela boca.
- Sentimentos.
- O que? - Abel parece não entender. Desisto e resolvo explicar.
- Não consigo escrever quando envolve sentimentos. Gosto de escrever fatos, momentos históricos. Criar algo demanda um envolvimento enorme, um envolvimento sentimental. Você coloca sua alma naquilo, seus sentimentos. Quando se escreve a fala de um personagem, tem que ser transmitido o sentimento dele, senão o leitor não acha graça no seu texto.
- Tá... E qual é o problema de fazer isso? - Abel continua sem entender, fazendo uma cara estranha como se eu tivesse lhe dito que o céu é rosa.
- O problema é que eu não tenho sentimentos. Sou vazia, não existe nada dentro de mim. Simplesmente não existe, simplesmente não consigo escrever. -Falo olhando para as minhas mãos entrelaçadas.
Abel parece irritado, e bufa:
- Qual é?! sério?! Isso não pode ser verdade. Consigo enxergar todos os seus sentimentos através dos seus olhos, no momento que você falou sobre o que é escrever, ou quando falou da sua mãe e do Brasil, eu vi todos os sentimentos. Eles estão ai, presentes no momento que você fala, pisca, respira. E isso, me deixa encantado! - Abel não tira os olhos de mim, de tal forma que também não consigo tirar meus olhos do dele.
Balanço a cabeça e me viro pro notebook, abro na área de trabalho, onde está escrito meu único paragrafo. Sinto Abel atrás de mim, ele começa a ler em voz alta.
- "Naquela noite de natal tudo parecia mágico, a casa toda piscava e tinha neve em todo lugar. Eu estava deitado no colo do John, curtindo o melhor carinho que já ganhei. Vejo as crianças brincando na neve, se jogando no chão e balançando seus braços e pernas, quando se levantam a imagem de um anjo se revela. 'É, meu velho Max, você definitivamente não deveria partir tão cedo', fala John, ainda olhando para as crianças. Este vai ser meu último natal, estou velho demais, ando muito cansado. Linda fez meu prato preferido, hambúrguer. Ela me entrega e me dá um beijo na cabeça, então vejo seus olhos se enxerem de lágrimas, 'Oh meu querido, vou sentir muito sua falta, meu companheiro, meu amigo...' ela sai chorando e John disfarçadamente, enxuga os olhos."

Quando Abel termina de ler, nós dois ficamos calados até que eu resolvo quebrar o silêncio.
- Viu? não sou boa quando o caso envolve sentimentos, me perco, não funciona...
- Você tá de brincadeira? Isso está ótimo, eu consigo sentir todo o amor dos donos pelo seu cachorro. Bia, você é boa, muito boa. - Fico olhando para o perfil de Abel, que continua olhando para a tela do notebook. Ele é lindo, seu nariz meio arrebitado na ponta, seu maxilar firme, sua barba rala, seu cabelo despenteado e seus olhos que brilham. Ele olha para mim, me pegando de surpresa, olho rapidamente para o notebook e vejo de lado que ele está sorrindo.
- Ok, vamos continuar da onde você parou.
- Ok...

                                                                            ***

Estamos escrevendo a quase uma, Abel está tentando criar o último paragrafo.
- Isso mesmo! Ele vai morrer no banco, enquanto John faz carinho em sua barriga. Ele simplesmente para de respirar. Consegue fazer isso? De forma que passe a tristeza do momento, mas também a paz do Max e o amor de todos?
- Acho que sim... - Começo a digitar, estou a todo vapor, meus dedos deslizam rapidamente de uma tecla para outra. Abel está sentando do meu lado olhando para a tela do notebook.
- Pronto. Está feito. - Paro de digitar e estalo os dedos. Abel limpa a garganta e começa a ler o paragrafo.
- "Nossa, como isso é bom! John não para de me acariciar. Linda foi brincar com as crianças na neve, todos estão bem, que sorte, não poderia ir em melhor hora. Minha respiração vai ficando mais devagar, 'Sabe Max, não se preocupe com a gente, você foi um excelente cão de guarda, um eterno amigo. Apenas me prometa que vai esperar por mim quando eu, velhinho for, venha me buscar. Agora descanse amigo.', escuto John falando e uma tranquilidade serena vai me acolhendo, dou um último suspiro, 'Sim, eu prometo...'."
- Tá um saco né? - Fecho os olhos e solto o ar.
- Eu gostei, tá nítido a amizade dos dois. Acho que nosso objetivo foi atingido com sucesso! - Abel levanta o polegar em sinal de ok e sorrir, tão perto de mim que posso sentir seu hálito, uma mistura de café, menta e cigarro.
Me levanto da cadeira e estico os braços para trás. Abel se levanta e olha no relógio.
- Olha! Ainda são onze! Dá tempo de pegarmos a festa.
- Abel... - Fico sem jeito e vermelha. - Não vou a festa. Mas é lógico que você deve ir.
Abel levanta um sobrancelha.
- O que? Por que você não vem? Seu trabalho tá feito e amanhã é sábado.
Olho para o chão, não é como se ele entendesse, afinal sempre está arrodeado de amigos, vai para todas as festas. Eu não sou assim. Permaneço calada.
- Bianca, eu quero que você vá, quero lhe conhecer mais e por isso vim até aqui, li seu texto, sei agora que você é meio fechada. Só quero ser seu amigo.
Ele me encara com seu olhar azul penetrante. Abel quer me conhecer "mais"? Por que?
- Bia, por favor...
De repente, vejo Laura entrar no quarto parecendo uma bala e para bem no lado de Abel. Fico surpresa com ela e dou um passo para trás. De onde ela veio?
- Laura?!
- Oi Bianca! - Ela me lança um sorriso mostrando todos os dentes. - Olha, se você não quiser ir a essa festa eu posso ir no seu lugar, faço companhia pro Abel. Acabei de chegar, mas adoraria dançar e beber um pouco.
Encaro L por um tempo, depois olho para o chão.
- Ok, acho melhor vocês irem logo.
Abel fecha a cara e faz um movimento juntando as sobrancelhas. Depois de um tempo solta uma longa respiração.
- Tudo bem. Nos vemos por aí. - Ele saí do quarto e Laura o segue, mas antes ela se vira para mim e diz baixinho:
- Me deseje sorte!
                                                                           ***
                                                   
Quando me vejo sozinha, sento na ponta da cama e sinto uma dor no estômago, uma vontade de vomitar. Por que eu não fui? Não sei a resposta. Escuto o meu celular vibrar, um número desconhecido aparece na tela. Deixo continuar vibrando. Quando para  demora pouco tempo e volta a vibrar. Então resolvo atender.
- Alô?
- Bianca... - Escuto a voz de um homem. - Bia, sou eu.
Meu coração para, meu estômago dá várias voltas, começo a me sentir tonta. Essa voz...
- Não desligue, por favor, Bia.
- O que você quer? - Sai mais como um sussurro.
- Estou em Chicago e sei que você mora aqui agora. Pensei que podíamos nos encontrar, preciso falar com você.
- Fale agora. - Sou fria.
- Não pelo telefone. Tem que ser pessoalmente. Por favor, Bia. Já faz muito tempo desda última vez que te vi.
- Isso mesmo! Já faz muito tempo. - Sinto uma raiva tomando meu corpo, meus olhos enchem de lágrimas. - Você não pode simplesmente aparecer e querer me encontrar!
- Lógico que posso, eu sou seu Pai.

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